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O Tabuleiro de Marivalde

Batista de Lima



Tabuleiro do Norte é uma cidade cearense da microrregião do Baixo Jaguaribe, emancipada em 1957 e possuindo hoje em torno de 30.000 habitantes. Não possui estação de rádio, nem escola de ensino superior, apenas duas de ensino médio. Fica a 200 quilômetros de Fortaleza e é conhecida pela grande quantidade de caminhoneiros entre seus habitantes, além de ter sido moradia por muitos anos dos famosos poetas populares Otacílio Batista e seus irmãos Lourival e Dimas. Agora os tabuleirenses ganharam um destaque nacional. Seu nome: Marivalde Monteiro Maia. Professora Marivalde desenvolve diante da Associação Cultural e Fé de Barrinha, um projeto cultural que abrange artesanato, leitura e teatro, para moradores de cinco a setenta anos. Com o nome de ´Cultura-Tradição, leitura e arte solidária´, ela inscreveu seu projeto no Prêmio Viva Leitura, dos Ministérios da Cultura e da Educação. Além do seu projeto, mais 1854 se inscreveram em todo o Brasil, dos quais foram escolhidos 15 trabalhos finalistas, 5 em cada categoria: bibliotecas públicas, privadas e comunitárias; escolas públicas e privadas; bem como pessoas físicas, universidades e instituições da sociedade que desenvolvem trabalhos na área da leitura. Pois em toda a região Nordeste o único Projeto premiado foi o de Tabuleiro do Norte. Em mesas improvisadas com restos de placas de refrigerantes, diante de uma biblioteca com poucas condições ambientais e um teatro ao ar livre, ela promove gincanas, encenações teatrais, artesanato, saraus literários, cursos de empreendedorismo, literatura de cordel e oficina de reciclagem de materiais. O que ela promove é o exercício da leitura nas diversas linguagens. Produz bens culturais, mantendo as tradições locais. O interessante no projeto é que a leitura se completa no transpor os limites do livro e se conclui no palco, onde populares de todas as idades, se caracterizam como podem e se tornam personagens de brilhantes encenações. Por isso que o projeto se estrutura em ações culturais e educativas, ações recreativas e ações de integração comunitária. As atividades artísticas são as que mais atraem as pessoas e se desenvolvem em torno de artes cênicas, artes plásticas, literatura, música e dança. É pois admirável que numa comunidade pobre e desassistida, todas essas atividades sejam desenvolvidas a ponto de resultarem numa transformação das pessoas. Como se vê, o ponto de partida de tudo o que se promove em torno do projeto é a leitura. Mas essa leitura não se resume na fria relação autor/leitor, mas na relação autor/leitor/comunidade. O desafio é ir até onde a leitura possibilita. É ter o livro como ponto de partida e deixar que o leitor repasse o texto numa prática que torna todos os circunstantes também leitores. O livro é o pretexto para a mudança de comportamento não do leitor, apenas, mas dos que lhe cercam. O leitor é intermediário entre o livro e a ação cultural que desenvolve. Essa é a real leitura de que carecem muitos jovens de hoje. O Ceará possui 184 municípios, muitos com mais condições do que Tabuleiro do Norte para o desenvolvimento de ações como essa. Acontece que estão empolgados muito mais com a cultura alienígena que pulveriza as manifestações locais. A indústria cultural tende a globalizar seus produtos de grife, sepultando manifestações como essa. No entanto, ainda há salvação. Iniciativas como essa de Tabuleiro é que comprovam que mesmo o mundo estando em todo canto, todo canto não está no mundo. Temos, ao longo dos dias, assistido a promoções midiáticas em torno de aconteceres supérfluos em detrimento de eventos como esse de Tabuleiro do Norte. É preciso que o prefeito e seus nove vereadores, da pequena Tabuleiro, se mirem no exemplo de Marivalde de como se faz sem interesses pessoais. Não precisa se aproximarem, tanto eles como outras autoridades estaduais e adotarem o projeto com ofertas mirabolantes, eleitoreiras e especulativas. Marivalde e sua gente não necessitam do grande pai, pois nasceram e cresceram por obra e arte de si próprios. O que eles precisam agora é servir de exemplo. O projeto desenvolvido em Tabuleiro do Norte precisa ser imitado e não apadrinhado. Tenho assistido a palestras de intelectuais que importamos para, impertigados em teorias e mais teorias, bem pagos e bem hospedados, enchem nossas cabeças de dúvidas e deixam nossos bolsos vazios em seminários caríssimos. Gostaria de assistir a uma palestra da professora Marivalde Monteiro Maia. Ali na minha frente, numa mesa simples, numa sala muito mais, a contar sua experiência. Como nasceu sua idéia, quais são seus planos e o que esses milhares de municípios brasileiros podem fazer. Que me permitam os irmãos Batista com sua verve, os caminhoneiros com suas botas de sete léguas, o rio Jaguaribe com suas enchentes, as carnaubeiras com seus acenos, os valentões do vale, mas a bola da vez chama-se Marivalde Monteiro Maia. Não conheço seu curriculum vitae, seu memorial, nem preciso saber. Essa é minha pós-doutora em Antropologia, em Sociologia, em Letras, em Educação, mesmo se nunca tiver entrado numa faculdade. E Tabuleiro do Norte entra em definitivo no mapa do Brasil cultural. Quem conseguiu essa façanha foi essa moça simples, referendada por uma população simples que conseguiu sua verdadeira emancipação não em 1957, mas agora, com a grandiosidade e o alcance desse projeto.

 

01/07/2008.

 

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