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O sertão de Edmar Freitas

Batista de Lima


Edmar Freitas, nascido em Limoeiro do Norte, em 1954, quando se mudou jovem para Fortaleza, trouxe o sertão pendurado nos cabides da alma. Aqui, na cidade grande, a saudade começou a pesar, chegando a tal ponto, que ele teve que desbastar um pouco dela, vertendo-a pelo escoadouro da poesia. É um poética memorialista, telúrica, seca de águas, mas farta de reminiscências. Ela vem ajudada pelo gado dos terreiros, pela lua lacriamorosa, pelas carnaubeiras empertigadas, reclamando das alturas, que é possível ficar por lá. Há também a figura do pai que grita, silenciando, que é a linguagem seca do sertanejo.

Esse seu mais recente livro, “Ensaios sobre o sertão”, é uma coletânea de 94 páginas de poemas, com o crivo da Editora Premius, editado em 2018. Todos os poemas trescalam os suores do sertão, salgando o corpo da memória. No Prefácio, Juarez Leitão, com sua verve poética, enaltece qualidades visíveis e descobre outras que passariam despercebidas de leitores desavisados. Esse prefaciador tem razão quando afirma que Limoeiro do Norte é uma usina de poetas. Juarez mergulha nas águas barrentas do Riacho da Mão Quebrada, passa pelo Córrego das Alpargatas que depois de muito molhado vai se enxugar no contorno azul da Serra da Micaela.

Assim, precavido pelo prefaciador, pode-se bater à porta da solidão que dorme ao relento nos terreiros das casas chorosas que Edmar deixou para trás. A cinza das coivaras é resquício de quem por lá passou, levando de eito as tardes modorrentas das calçadas. Aliás, como há tardes nesses poemas, diante de poucas noites e quase ausência de manhãs. O cheiro do mato entretanto acompanhou o poeta quando de lá arribou na década de 1970 e que depois de tantos banhos de cidade grande não se livrou ainda do extrato da melosa. Tudo isso, no entanto, principia nos recantos da infância que é onde o homem primeiro se faz, antes de sair por aí.

Edmar Freitas tem um grande apego à casa em que nasceu. É uma casa com mais gente que tijolos. É uma casa em que os “armadores fatigados / penduram os dias / a cada fim de tarde”. Mas um dia o menino perdeu a casca e saiu por aí, desfolhado pela tarde. Deixou por lá a lua e as estrelas. Deixou também aquela brisa que sobe o rio, presenteada pelo mar. Essa brisa, a preguiça das cercas e a barriga das telhas povoam sua memória. Até a gratidão das ovelhas, mesmo na delinquência de um agosto feito de sal, não sai do seu retorno memorial. Enquanto as moças, essas fecharam as janelas e rumaram para a cidade grande em que a desinocência é bordada.

O poeta, depois que chegou à Capital, formou-se em Letras e tornou-se vereador, mas continua pescando esperança nas águas do Jaguaribe, mesmo que lhe tenham advertido que esperança não possui escamas. Quanto ao pai, em plena metrópole, continua buscando nas nuvens resquícios dos invernos que o passado oferta. É então que as carnaubeiras bailarinas vão surgindo nos contornos plúmbeos. E a lua se põe sentada na solidão das portas, fumando restos de nuvens. Pai e filho, então, empobreceram de lua e ficaram órfãos de alpendres.

Por fim, observa-se uma evolução poética em Edmar Freitas, que ocorre a cada novo livro e que se opera na linguagem que se alicerça em imagens consistentes. São ovelhas que ruminam madrugadas, a solidão murmurando pelos cataventos e um menino com uma sacola repleta de luas cheias. Podem ser também os armadores do alpendre pendurando os dias, as noites escondendo seus medos nos cantos das paredes e o vento trazendo seus segredos montados nas ausências dos que se foram, sem retorno. Assim é como se comporta o poeta Edmar no seu itinerário que não terminou.


FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 30/04/19.


 

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