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O saber socializado


Batista de Lima


Tenho comigo que o saber é um bem de primeira necessidade. Se o corpo é carente de alimento, o espírito carece de saber. O saber, adquire-se, acumula-se, distribui-se. É preciso, no entanto, concluir-se que os bens do corpo, quando não são consumidos, deterioram-se. Assim, os bens do espírito, os saberes, quando não compartilhados, anulam-se. Não são, pois, heróis os que acumulam saberes, no meio daqueles que necessitam de uma evolução do espírito. Não pode ser considerado sabido aquele que não distribui o que sabe. Faz parte da sabedoria, evoluir com os que nos cercam.

Aqueles amigos que se dizem heróis em tudo se pabulam do que acumulam. Nesse mundo de intelectuais, muitos se vangloriam do montante de livros que possuem nas suas bibliotecas. Aqui mesmo, na nossa Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção, há deles que se deleitam, em seus domicílios, com bibliotecas indevassáveis em que jazem, às vezes, dezenas de milhares de volumes. São bibliotecas enormes em que nem seu proprietário consegue ler um décimo dos livros. Mas os livros estão lá, como mortos em seus sepulcros. Ali, autores clássicos e raros estão amordaçados diante da avidez de leitura do mundo do seu entorno. Sonega-se às fomes dos espíritos, o alimento que se armazena entre quatro paredes. É como ter um paiol de cereais em casa, enquanto os vizinhos desfalecem de fome.

Sabe-se que o Ceará possui em torno de 10 mil escolas entre ensino fundamental e médio. Também é sabido que menos de 30% dessas escolas possuem cinco livros para cada aluno matriculado. Esse número cinco é o que determinam órgãos do Ministério da Educação. Se houvesse uma distribuição de parte de algumas bibliotecas particulares, esse percentual de livros por aluno elevaria a mais de 50% dessas escolas. O que acontece é que uma biblioteca para um professor pesquisador, em sua residência, não precisa extrapolar o montante dos 2 mil exemplares. Pesquisadores, hoje, atuam mais nas grandes bibliotecas universitárias.

Os dois mais festejados intelectuais da atualidade, ainda em atividade, fazem suas pesquisas bibliográficas nos ambientes universitários em que atuam. Chomsky, no MIT, em Massachusetts, e Umberto Eco, na Universidade de Bolonha, são exemplos de que intelectual pesquisa principalmente em bibliotecas institucionais. Acumular livros em casa não é mérito. Muitos desses acumuladores quando falecem, a família logo se desfaz do acervo, vendendo-o para bibliotecas de grande porte. Quando se vai fazer a colheita do material vendido, nota-se que muitos exemplares nunca foram nem abertos, e que se encontram, muitas vezes, imprestáveis diante da corrosão que o tempo lhes impingiu. É como desenterrar corpos que se tornaram ossadas.

Outro manancial de saber pouco socializado está no poder da Geração Y. É essa geração surgida na última quadra do Século XX. Foi um surgimento paralelo à explosão da Internet. Essa juventude brotou em um canteiro adubado pela disseminação das redes sociais e delas se apoderou como proprietária de um latifúndio de saberes. São jovens que dominam esses labirintos de informações mas não cedem com facilidade seus saberes às gerações anteriores. A Geração Y traz preocupações ecológicas, luta por uma sustentabilidade que beneficiará o mundo futuro, mas pouco divide seu patrimônio de conhecimentos com aqueles que lutaram anteriormente para que as distâncias se encurtassem tanto na vida atual.

Já se tornou comum ouvirem-se, de pais, reclamações sobre as dificuldades que encontram ao solicitarem dos filhos alguma ajuda para navegarem pelas redes sociais. É comum um casal conversando enquanto os filhos manipulam suas maquininhas que abrem as portas do mundo.

Essa garotada está com os saberes às mãos. São tantos saberes, ao mesmo tempo, que eles navegam, nadando sem mergulhar. Satisfazem-se com a superfície e perdem a subjetividade das profundidades. Possuem uma variedade de saberes, mas não sabem temperá-los. Estão como crianças numa grande loja de brinquedos. Vasculham a imensidão das ofertas e terminam por não escolher nenhuma, diante do encantamento de todas.

É tradição as gerações novas serem olhadas de trivela pelas velhas gerações. Mas o que se observa no momento é um distanciamento cada vez maior entre o jovem e seus antecedentes. A própria escola atual tem entrado nessa onda de trabalhar as informações e relegar as subjetividades.

Os currículos do ensino médio não contemplam suficientemente disciplinas como Filosofia e Sociologia. Seria interessante colocar essa juventude em contato também com as subjetividades, com os fenômenos da existência e com a interpretação da finalidade do mundo. O mundo do saber está hoje ao alcance dos jovens como um grande self-service. São oferendas aos milhões que deixam os utilitários tontos. Eles possuem os saberes às mãos mas não sabem qual o condimento certo para torná-los digeríveis.

É aí que deve aparecer a figura do professor, para temperar esses saberes através da orientação correta para a utilização. O professor, hoje em dia, não é mais um transmissor de saberes, é mais um orientador para que o discente possa utilizar o que lhe é necessário. Cada vez mais o mestre está realizando sua verdadeira missão pedagógica, conduzir o aluno por entre essas montanhas de saberes para que ele escolha entre essa infinidade de possibilidades, aquele diamante precioso que jaz entre tantas pérolas.


FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 13/01/14.


 

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