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O retorno de João Lemos

Batista de Lima


Ainda era o tempo da lamparina, quando João Lemos botou a mucuta nas costas e saiu por aí em busca da luz faiscante do saber. Deixou sua vilazinha para trás, matando a sede na Cacimba da Pedra e com o olho vidrado no nascente, esperando sinal de chuva. Despediu-se do São Sebastiãozinho das festas de janeiro e foi pedir guarida ao São Sebastiãozão do Rio de Janeiro de tantas águas e luzes. Um dia, entretanto, voltou com um anel de doutor num dedo e uma aliança no outro. Voltou em busca do que havia deixado para trás, a infância, esse latifúndio que todos construímos e não queremos perder. Voltou em busca do cordão umbilical, enterrado nos pés de cerca do Sítio Lages, e dos dentes de leite arremessados no telhado da casa grande de Tomaz de Lemos, ao som de “Mourão, mourão”. Encontrou seu São José, que Mangabeira matou, flertando com uma BR, esquecido da Cacimba da Pedra, com postes jogando luzes por todos os lados e com água farta circulando por artérias canalizadas, de casa em casa. Esse panorama deu-lhe uma saudade danada dos tempos do Azul e do Encarnado, do zabumba das festas do padroeiro, do pão-de-ló e da cocada, das fogueiras de São João e da professorinha vinda de longe para lecionar para meninos analfabetos.

Voltou para aquele São José antigo, que virou Mangabeira e encontrou o mesmo Rio de Janeiro de onde retornou. Concluiu que a cidade maravilhosa a gente encontra em todo canto, mas a Lagoa do Beato, o Corte Grande e a Cruz da Faceira, a gente só encontra às vistas do pé de amargoso. Entretanto, João Lemos com medo de perder de vez esse latifúndio temático do qual fez parte, resolveu dele se apossar de vez, colocando-o para sempre nas páginas de um livro. Sendo assim o esculpiu com mestria, vasculhando seus contornos e interpretando sua amargosidade latente.

“São José das Mangabeiras” é o título desse seu livro que misturou memórias, folclore e árvore genealógica. Seu itinerário percorre o tempo que vem de 1807 a 2007. Com 786 páginas, dividido em três blocos, o leitor conclui que está diante de três livros em um. Daí que há assuntos bamburrando pelas beiradas das páginas para quem é daquele agradável paraíso. É que, para quem nasceu ali, no São José de Mãe Velha, não há livro que suporte tanta história daquele povo conversador. Por isso que a gente vai lendo e escrevendo nas margens das páginas, afinal para quem é de lá, sempre há alguma história a mais para contar.

João Lemos aproveitou as páginas do seu livro e apresentou também a geneologia da família Lemos, da qual é um dos nomes de maior projeção social. Advogado, professor pós-graduado, pesquisador e acadêmico, Joca, como é chamado na intimidade familiar, apresenta, no seu livro, temas familiares e outros marcados pela universalidade, o que interessa a qualquer leitor. É tanto que na primeira parte “Origem e evolução da Vila São José”, qualquer leitor se prende à criteriosa pesquisa ali contida.

Depois de expor os “Serviços essenciais”, vem “Educação, Cultura e Lazer”, em que o autor apresenta a história da educação que foi fundamental para o desenvolvimento cultural do seu povo. Mangabeira tem se destacado como celeiro de artistas, juristas, educadores e escritores que marcam presença no cenário nacional. Tudo isso resultante dos educadores que vieram educar a meninada do lugar. Basta citar: Joaquim Beato, Amâncio Ferreira Lima, Agá Cals de Oliveira, Paulo Moreira de Melo e Vicência Augusto Mota. Foram mestres que vieram de outras localidades e mudaram a história do povoado.

O melhor momento do livro, no entanto, responde pelo título “Amargosidade”. É um conjunto de personagens que ao longo do tempo marcaram presença na vida mangabeirense. É o caso, logo de início, de Cícero de Oliveira Lemos, o eterno vereador. Tão político do PSD que foi sempre desse partido, e terminou por se casar com a professora Vicência Augusto Mota, da família “Augusto”, que por muitas décadas comandou o PSD e o poder lavrense. Além dele, é bom conhecer o perfil de Mundoca do Sojé, Zuza Lemos, João Canuto, Maria Mulata e Herculana.

Além dos personagens marcantes, também aparecem no livro, pontos característicos da vila e de seus arredores. A Cacimba da Pedra puxa um rol de outros pontos como a Lagoa do Beato, a Ladeira do Amâncio, a Cruz da Faceira, os Orondongos, o Pau Chita, a Viola, a Serra Negra, e a Serra das Alméscegas. Muitos outros tipos e lugares vão surgindo no livro, o que fazem com que as pessoas que lá nasceram e meteram o pé na estrada como o autor, retornem nos seus calcanhares. Assim o livro se torna uma viagem reconstrutora de um paraíso que povoou nossa infância e que fica agora gravado nas páginas de “São José das Mangabeiras”, de João Gonçalves de Lemos.


jbatista@unifor.br.

26/11/19.

 

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