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O retorno de Dom Sebastião

Batista de Lima



Rei com o nome de Sebastião só existiu um em todos os tempos. E foi rei de Portugal. Acontece que ele foi nascer exatamente no dia do santo romano São Sebastião, ou seja, 20 de janeiro, e o ano, 1554. Depois, foi morrer aos 24 anos, em 1578, na batalha que engendrou contra os mouros em Alcácer Quibir, no Marrocos. Foi tão desastrosa para Portugal essa derrota que não se entende como o seu personagem principal, o rei, em vez de ser condenado pela ousadia, tornou-se um mito. Dom Sebastião não teve qualidades pessoais suficientes para se tornar o mito em que se tornou. No entanto, tudo o que lhe envolveu, na curta existência, contribuiu para perpetuá-lo como o Desejado. É tanto que ao longo do tempo criou-se uma crença sebástica. Dos 24 anos que durou sua vida, passou dez como rei, ou seja, de 20 de janeiro de 1568 a 4 de agosto de 1578. Já se vê que morreu no aziago mês em que acontecem as maiores tragédias. Isso contribuiu para fazer de agosto um mês tenebroso. A primeira segunda-feira de agosto é o dia do ano que causa arrepios. Há, ainda hoje, quem não trabalhe nesse dia, não faça a barba, não tome banho, nem saia de casa. Há, portanto, uma aura mística que envolve D. Sebastião. Daí o messianismo que se formou em torno da sua figura. Morreu lutando e o corpo não apareceu. Por muitos anos esperou-se pelo seu retorno para a fundação do quinto império. Visionário cavaleiro, no entanto, enfrentou um adversário islâmico estrategista modelar, o Sultão Mulei Almélique, depois denominado pelos portugueses de Mulei Maluco. Mesmo chamado de maluco, foi o vencedor da grande batalha em que morreram três reis e milhares e milhares de cristãos e mouros. Isso sem contar que a nação portuguesa perdurou gravemente ferida. Criado praticamente pela avó, D. Catarina, coadjuvada pelo cardeal D. Henrique, seu tio, e pelo Prior do Crato, o intento palaciano de fazê-lo herói e conquistador, numa época em que Portugal já se sentia em crise, fê-lo uma criatura dúbia. Daí sua instabilidade emocional, sua incapacidade de decisão, sempre protelando casos urgentes, inclusive seu casamento com Margarida de Valois, que nunca aconteceu. Suas cartas sempre apresentavam um texto confuso, pois demonstravam um pensamento de um espírito nebuloso. Apesar da frieza afetiva, era apelidado de o piedoso. Era mais religioso que político , mais quixote que prático. Sua instabilidade temperamental talvez tenha sido conseqüência das suas perturbações de ordem fisiológica, e dos mimos palacianos exagerados para sua formação para rei. Tinha ´tendências impulsivas, fraco poder de reflexão e um caprichoso desejo de se ver obedecido´ , como afirma Joaquim Veríssimo Serrão, estudioso dos seus itinerários nos dez anos de reinado. Ainda acrescenta o pesquisador, que ele era ´pouco culto e não dado às Artes e Letras´. Todos esses defeitos contribuíram para a desorganização da grande batalha que colocou em prática na África. Conforme relatórios de sobreviventes daquela hecatombe impensada, uma das últimas imagens guardadas do rei , na batalha, foi seu arrojo ao se lançar na luta, corpo a corpo, contra uma grande quantidade de mouros que lhe deram logo uma grande fenda por baixo do braço. Depois, conforme escreve Valdez dos Santos, ´o Rei D. Sebastião conseguiu chegar à linha da retaguarda cristã, onde pediu água que lhe foi dada num vaso de couro...´. Depois voltou à luta, onde terminou morrendo. Essas informações são resultantes de pesquisas feitas por estudiosos portugueses e apresentadas em colóquio realizado em 2004, em Portugal, por ocasião da passagem dos 450 anos do nascimento de D. Sebastião. Todos os textos ali apresentados foram enfeixados em livro pela Academia Portuguesa da História, através das Edições Colibri, com o título Colóquio: O Sebastianismo, Política, Doutrina e Mito. Detalhes até então desconhecidos, da vida de D. Sebastião, vieram à tona. Inclusive sobre a polêmica em torno do desaparecimento do seu corpo. Afinal, como ainda afirma o mesmo Valdez dos Santos, no dia seguinte à grande batalha, um jovem fidalgo, que tinha sido camareiro do rei, foi pedir aos vencedores para ter acesso ao corpo do rei morto, pois sabia onde o mesmo estava. Deram-lhe permissão e ele acompanhado de uma escolta inimiga viu o cadáver de D. Sebastião, completamente nu, estendido no campo de batalha. ´Tinha El-Rei cinco fendas na cabeça, das quais três eram pequenas e duas em uma ilharga, como arcabuzadas ou zagunchadas´. O corpo de D. Sebastião foi levado à tenda do Xerife Mulei Hamet e reconhecido por mais de vinte fidalgos portugueses prisioneiros. A partir daí não se tem notícia do destino do corpo. Em Portugal, seu tio, o cardeal D. Henrique, assumiu o poder como seu substituto de direito, para dois anos depois, ao morrer, o reino passar para Felipe II, rei da Espanha, seu sobrinho e herdeiro imediato do trono português. Era mais um desastre para Portugal, pois o domínio espanhol sobre Portugal duraria sessenta anos. Tendo em vista que tradicionalmente o herói mítico surge exatamente num momento crítico por que passa um povo, era de se esperar que os portugueses encontrassem uma alça para escapar da grande frustração da derrota. Nada melhor que instaurar a espera do retorno de um rei não exatamente morto, por não ter aparecido o corpo. Foi então construída uma imagem de um rei retornante, num cavalo branco ajaezado de prata, para fundar o quinto império. Esse redentor era D. Sebastião, tão cavaleiro, tão puro, tão religioso, a ponto de, em vida, ser presenteado pelo Papa Pio V, com uma das setas que mataram seu santo protetor, São Sebastião. A crença de um retorno de D. Sebastião perdurou por séculos e espalhou-se pelas colônias, inclusive pelo Brasil. O sebastianismo tornou-se uma crença e muitas extravagâncias messiânicas se realizaram como em Pedra Bonita, no Brasil. D. Sebastião foi preparado para ser um conquistador, um herói, um mensageiro de uma batalha religiosa. Se não conseguiu, morreu lutando para conseguir e o povo português jamais aceitou a fatalidade da derrota, inclusive intelectuais, que o diga a literatura de Camões a Pessoa.

 

12/02/2008.

 

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