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O resgate da fala americana

Atualizado: 18 de mar. de 2020

Batista de Lima


O propalado descobrimento da América provocou um encobrimento de civilizações míticas anteriores à invasão europeia. A fala original e autêntica, dos que aqui já viviam, passou por um processo de soterramento por parte dos invasores como forma de impor seu mando explorador. Maias, Astecas, Incas e outros povos menos conhecidos foram calados e a América não pôde se narrar. O culto à natureza com seus mitos e símbolos foi vitimado pelo apocalipse chegado pelas caravelas. Para os invasores, foi preciso calar a fala dos povos, mas as narrativas não se extinguiram.

Os cinco séculos de pilhagem do discurso autóctone não conseguiram calar total a voz de raiz dos povos pré-colombianos. Sempre há aqueles que em um processo arqueológico mergulham no substrato cultural desses povos para sentir o pulsar dos cultos que resistem à devastação. O professor Carlos Velázquez é um desses defensores entrincheirados entre a volúpia branca que dilapida os nossos cultos e o tesouro cultural que por aqui ainda jaz. Seus estudos e pesquisas pessoais não o satisfazendo por completo, ele estrutura grupos de estudos com seus alunos universitários nessa expedição por grotões, botijas e camocins, perscrutando a nossa verdadeira narrativa ao dar voz aos que tiveram sua fala travada.

O Professor Doutor Carlos Velázquez, docente da Universidade de Fortaleza (UNIFOR), desde 2012, coordena o Movimento Investigativo Transdisciplinar do Homem – MITHO. Esse grupo de estudos já está na sua terceira publicação. Esse mais novo trabalho uma coletânea de ensaios dos componentes do grupo, traz como título, “Rumos do MITHO contemporâneo”. Desta feita, essa seleta vem com o crivo da Vice-Reitoria de Ensino de Graduação da UNIFOR, incluído no Programa de Desenvolvimento Profissional em Educação. Os treze ensaios veiculados nessa seleta passaram por criteriosa seleção em que concorreram mais de uma dezena de livros. São textos de pesquisa qualitativa, baseados em amplas referências bibliográficas, orientados com o zelo do Prof. Velázquez.

Para cristalizar o tema principal dos textos, que trata das incidências dos mitos na contemporaneidade, é que usando-se a metáfora do fogo de monturo, ao mexermos nesse paul de símbolos ancestrais a labareda de uma realidade tosta a atualidade. Ninguém se livra da ancestralidade. Se há fumaça, há fogo, e nós temos um vulcão de mitos sob nossos pés. Quando olvidamos as raízes, falta-nos a seiva da vida. Aí vem-nos uma pergunta: onde está o real motivo dos suicídios, principalmente entre os povos indígenas? Não tem a ver com a destruição de suas perspectivas de cultos? Culto é cultura, cultivo. Cultura é tudo o que se aprende sem ter que se ir a escolas.

A leitura desses estudos nos leva a ancestralidades latentes na nossa personalidade. O referencial teórico mais presente nessas pesquisas fulcra principalmente no inconsciente coletivo proposto por Jung. É preciso reconstruir o cordão umbilical que liga a constituição do indivíduo com sua herança histórica, esse grande latifúndio de saberes, abandonado e quase esquecido nos novos tempos. Há um vácuo entre a história oficializada pelos invasores e a real narrativa dos que aqui já militavam muito antes. Cabe, portanto, a esses grupos de estudiosos, reatar as peças que compõem a saga dos que sobreviveram. A alma americana multifacetada nos dias de hoje precisa resgatar uma identidade autêntica.

Numa época em que a narrativa está sufocada pela informação, louve-se a iniciativa de grupos de jovens que se debruçam sobre o nosso sítio arqueológico. Habitantes do tempo, não podemos esquecer que o presente é a média entre passado e futuro. Não podemos esquecer que o sol, a lua, os planetas, os satélites, todos são redondos como nossos olhos, esféricos como o útero materno que nos reteve nos tempos primeiros do nosso existir. É tanto que os pássaros aprenderam essa lição da natureza e ainda hoje constroem seus ninhos arredondados como bandas do ovo donde vieram. Nós, não, inventamos as linhas retas, os quadrados, os retângulos e nos aprisionamos nessas masmorras. Finis coronat opus?


07/01/2020.

 

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