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O proverbial no “Grande Sertão: Veredas”

Batista de Lima


Guimarães Rosa, ao escrever a saga de Riobaldo, no seu mais famoso livro, “Grande Sertão: Veredas”, além da linguagem inovadora, embutiu, na narrativa, várias tiradas proverbiais. Entre elas destacam-se aquelas que identificam o sertão. Quando ele afirma: “O sertão é do tamanho do mundo”, pode querer afirmar que o mundo do sertanejo vai até onde vai o sertão. Acontece que como o “Sertão é dentro da gente”, esses limites não existem, afinal, “O sertão está em toda parte”. Por isso que “Sertão é quando menos se espera”. Mais adiante ele afirma: “O sertão nunca dá notícia”, e conclui, “Só se sai do sertão é tomando conta dele por dentro”. Essas várias maneiras de ver o sertão podem ainda contar com “Sertão é o sozinho”.

Outro tema proverbiado por esse gênio das Gerais é o amor. Para ele, “Amor é a gente querendo achar o que é da gente”. Também pode-se concordar com ele quando diz que “Qualquer amor é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura”. Assim fica diferente do senso comum, quando se diz que o amor é um pouco de loucura dentro da saúde. Talvez essa loucura seja apenas a paixão. Sobre o amor, no entanto, a mais bonita conclusão está nessa bela metáfora que ele retira da cabeça do seu Riobaldo: “O amor é pássaro que põe ovos de ferro”. E por falar em Riobaldo, seu nome também remete a “Rio” e a “Baldo”. Esse “baldo” significa “baldeado”, subjetivo, romântico, fantástico.

Guimarães Rosa utiliza uma forma peculiar de falar em Deus. Começa dizendo que “Deus é traiçoeiro”, isso no início do livro. Daí em diante ele vai guardando uma certa distância de Deus. No caso, trata-se de Riobaldo. Não é pois surpresa que o jagunço, na sua desconfiança, chegue a afirmar que “Deus mesmo, quando vier, que venha armado”. Depois conclui: “Deus come escondido, e o diabo sai por toda parte, lambendo o prato”. Não se deve esquecer que “Deus” ele escreve maiúsculo, mas o “diabo” aparece minúsculo. Deus é sempre com o mesmo nome por ser bom. O diabo, por ser mau, aparece, ao longo do livro, escrito de umas quarenta formas diferentes. É um recurso estilístico de diminuir a maldade do demo.

Essa preocupação em dar vários nomes ao diabo, inclusive no nome de DIAdorim, em que DIA é o mesmo que diabo, leva-nos à conclusão de que esse escritor muito pesquisou para escrever. Daí ser interessante conhecer conceitos, definições e dizeres dos distantes interiores mineiros. “Quem desconfia, fica sábio”, “Tudo o que foi é o começo do que vai vir” e “Viver é um descuido prosseguido”. São três exemplos do muito captado em suas pesquisas. Na mesma linha conceitual ele afirma: “Pessoa limpa pensa limpo”, “Toda saudade é uma espécie de velhice” e “Muita coisa importante falta nome”.

Guimarães Rosa, nas suas andanças por Minas Gerais, conduzia sempre pequenas cadernetas com espiral que pendurava ao pescoço e sempre anotava tudo que ouvia dos sertanejos. Daí ter anotado: “Obedecer é mais do que entender”. Dele é também uma das melhores definições para professor: “Mestre não é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende”. Finalmente pode-se dizer que “Grande Sertão: Veredas” é um manancial de variados saberes. Não seria, entretanto, interessante apenas colocá-los nas páginas do livro. O importante é o tratamento dado a esses dizeres. É a linguagem utilizada por Guimarães Rosa para colocá-los à disposição de nossa leitura. Afinal é como ele assegura: “Difícil mesmo é ter o poder de ir até o rabo da palavra”.


FONTE: Diário do Nordeste - 30/10/2018.


 


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