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O professor Floriano

Batista de Lima


O início das aulas de Sipaúbas coincidiu com o início das águas. Era chuva o dia todo e à noite ainda mais, com trovão e relâmpago. Estrada não existia mais. Mesmo assim Floriano chegou no seu jipe 51 carregado de esperanças e livros encaixotados. Foi pedido do prefeito para revolucionar a educação da cidade. Chegou tão enlameado que até os óculos fundo de garrafa estavam avermelhados. No dia seguinte já estava no grupo escolar limpo e penteado para implantar o ginásio para os jovens estudantes do lugar. Não ia ser mais necessário os alunos irem morar na Telha para conseguir estudar.

No primeiro dia de aula para os garotos de admissão ao ginásio ele procurou saber dos meninos o que eles sabiam plantar e queria saber das meninas o que elas sabiam fiar. O primeiro dia foi só de entrevistas. No segundo dia ele dividiu a turma em duas. Pela manhã levou as meninas para o tear de Joana Machado para observarem como se tecem redes. À tarde levou os meninos ao engenho do coronel Fortunato para lições de rapaduridade. A primeira semana foi só esse tipo de aula. Eram meninos nas roças e meninas nos teares e almofadas. Eram lições de plantio e aulas de tecituras. Livro nenhum foi aberto e na missa do domingo o prefeito perguntou quando ia começar o ensino.

Na segunda semana continuaram as aulas de campo. Segunda e terça foram aulas de pescaria. Só na quarta houve aula no grupo escolar, com livro e giz, quadro negro e sapatos enlameados. Os meninos se encantaram tanto com a matemática que no dia seguinte já começaram a projetar com professor Floriano, o recenseamento de Sipaúbas. Iam de casa em casa para contar a população, sabendo quantos homens, quantas mulheres e o percentual por faixa etária dos viventes de Sipaúbas. O prefeito e os pais não estavam gostando muito da maneira como o professor estava agindo.

Na sexta-feira da segunda semana, à tarde, o professor deu folga aos alunos, mas avisou que quem quisesse aula de Português fosse para o Instituto, no sábado, que ele lá estaria à disposição. Para sua surpresa os alunos foram todos e teve uns que levaram os pais. Foi uma aula que começou com gramática e terminou com leitura. Ficaram todos cientes da necessidade de leitura, mas faltavam livros. Surgiu então a ideia de, na semana seguinte, se fazer uma pesquisa na cidade para saber quantos livros havia. Depois de muito trabalho dos alunos, por três dias, descobriu-se que havia em Sipaúbas 323 livros para uma população de cinco mil habitantes.

Professor Floriano agradava aos seus alunos e a alguns pais mas desagradava a outros, principalmente ao prefeito da cidade que via no jovem mestre uma ameaça política à sua liderança. Foi com alguns pais pedir aulas também de Geografia e História ao professor. Floriano prometeu iniciá-las no dia seguinte. Era uma quinta-feira quando os alunos começaram a entrevistar os mais velhos para conseguir dados sobre a história de Sipaúbas. Além da equipe de entrevistadores, outra foi pesquisar no cartório e mais outra foi examinar os livros da paróquia. Muito foi descoberto da história de Sipaúbas.

Acontece que uma equipe de alunos foi pesquisar na prefeitura, a história política da cidade, seus prefeitos, os vereadores, os investimentos, as verbas, as aplicações dos dinheiros... Aí o prefeito não aguentou mais e tentou entravar o rebuliço. O professorzinho comunista era uma ameaça a Sipaúbas. Começou a espalhar que Floriano tinha mais flor na vida que no nome. Que o professor assediava os alunos. O efeito dessas denúncias foi contrário ao que esperava o mandatário da cidade. O negócio era mudar a estratégia. Era colocar o professorzinho como convidado a Vice-Prefeito da chapa da situação.

Procurado pelo Prefeito, o professor o presenteou com um mapa do município, feito pelos alunos. Por outro lado, prometeu que no dia seguinte daria a resposta a respeito do convite. No dia seguinte e com os dados que foram coletados pelos alunos, na prefeitura, Floriano impôs uma condição à sua candidatura. Que houvesse uma prestação de contas pelo Prefeito, junto aos seus munícipes, mostrando os empregos das verbas e dos dinheiros públicos. Isso foi o bastante para o rompimento total entre s dois e o início das perseguições que o mestre passaria a sofrer a partir de então.

Havia nessa época em Sipaúbas, um acampamento de soldados do Batalhão do Exército que construía uma BR a passar ao lado da cidade. Eram mais de cinquenta homens instalados em barracas de lona, na entrada de Sipaúbas. Em um domingo pela manhã, o jipe do professor amanheceu estacionado na entrada do dormitório dos soldados com um pneu furado. Isso depois que gente do prefeito, alta noite, roubara o veículo e o pusera naquele lugar. Logo surgiu o boato de que Floriano havia passado a noite florindo as redes dos soldados. O boato fora plantado pelo Prefeito e os seus asseclas.

A partir daí, boatos outros foram plantados na cidade e alguns pais de alunos passaram a temer a convivência de seus filhos com Floriano. O pessoal da oposição começou a investir no professor, suas esperanças de tê-lo como o candidato para combater a roubalheira do prefeito e de sua oligarquia. Acontece que o professor não aceitou nem ser candidato a vereador. De tanto ser cobrado para ser candidato por qualquer um dos lados, chegou a afirmar publicamente que não seria candidato a nada por não gostar de más companhias. Assim, tendo desagradado os dois lados da política, montou-se no seu jipe 51 e retirou-se de Sipaúbas. Festejado pelos seus alunos, deixou com eles dois presentes: os livros que trouxera e o resultado de seu método inovador de educar.


FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 07/08/12.


 

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