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O poeta Portinari

Batista de Lima


Muita gente conhece o Portinari pintor, mas poucos o conhecem como poeta. Mesmo já estando na terceira edição, seu livro de poemas parece eclipsado pela grandiosidade de sua arte pictória. Desta feita, a FUNARTE, Fundação Nacional de Artes, em parceria com o Projeto Portinari, editou seus poemas, muitos deles ilustrados. Nesse livro, o filho de Dona Domênica e seu Batista retorna a sua infância passada em Brodowsky, cidadezinha no interior de São Paulo. Foi ali, no meio dos cafezais e dos folguedos da meninada, que Candinho cresceu, cismando o mundo e captando seus defeitos para um dia consertá-los na tela e na folha branca interrogativa.

João Cândido Portinari é seu nome de pia, e Portinari, de tela. Como para pegar um peixe, ele botava um pincel na vara de pescar, para cantar poeticamente sua cidadezinha natal, ele botava a memória como isca para pescar a infância. Esse é, pois, o livro da sua infância, da infância de seu povoado, da infância do mundo. Afinal, era um mundo que só ia até a próxima curva dos trilhos que traziam o trem, verdadeiro e único leviatã daquele povinho simples nos modos e rico nos sentimentos. E são esses sentimentos que afloram nas suas poesias. Começa pela saudade. Aliás, qual o poeta brasileiro que não é cultor de uma saudade. Candinho não seria exceção.

A primeira edição desse livro, da Editora e Livraria José Olympio, de 1964, apesar de ser obra póstuma, observou a recomendação do autor, falecido dois anos antes, de não ilustrar seus poemas com suas pinturas. Essa recomendação foi observada também na segunda edição, de 1990, da Editora Callis. Nesta edição mais recente, a terceira, as ilustrações foram colocadas e provocam um encantamento peculiar, pois imagens e versos dão as mãos e entrelaçam sentidos. O lirismo poético vai se abeberar nas imagens pintadas e a alma do autor salta da tela para o verso. Os seres que povoam a pequena cidade atuam nessa transição de gêneros, criando uma nova forma de expressão em que o leitor passa a ser um habitante de ambas as formas.

Dessa leitura faz parte o crítico Marco Luchesi que, prefaciando essa terceira edição ilustrada, mostra que os signos da obra brilham nas suas intersecções. Entretanto, foi na apresentação de Manuel Bandeira, na primeira edição, que nosso poeta pernambucano detectou um fato interessante: foi na Europa que Portinari descobriu Brodowski. Fora Portinari para a Europa estudar Belas Artes e lá começou a elaborar a sua canção do exílio, o seu testamento poético de saudade da infância. No mesmo caminho, também prefaciando a primeira edição, seu companheiro de ideologia e amigo de todas as horas, Antônio Callado, chega a afirmar que Brodowsky era terra boa para café e para plantio de versos.

Tanto é verdade a afirmação de Callado que Portinari nessa sua arqueologia em torno da infância perdida, vai ressuscitar todos os símbolos poéticos que povoaram seus primeiros anos de vida. O circo mambembe, os retirantes, os trabalhadores dos cafezais, os animais domésticos que perambulam pelas ruas, todos renascem nos seus versos. O seu lirismo traz até um certo ar de fantástico quando aparece a mula sem cabeça, que pula da pintura para o verso, assombrando a criança que não deixou de existir no artista. Seu quadro “Meninos a cavalo” empresta os dois meninos e até o cavalinho que passa a trotar no poema. Daí afirmar: “Nasci e montei na garupa de muitos cavaleiros”. Também “montei sozinho em cavalo de pé de milho”.

Ao final da leitura dessa preciosidade poética de Portinari, o leitor verifica que mesmo não aparecendo nas figuras ilustrativas da obra, o signo principal do livro é a lua. É difícil encontrar um poema em que a lua não marque sua presença. Parece que a lua do alto, muito alto, capta aquela Brodowksi e projeta no céu de Paris, levando a infância que ela não quer que o garoto, que mora no adulto, deixe de adubá-la e apreciá-la.

Sejam louvadas as organizadoras dessa terceira edição: Letícia Ferro, Patrícia Porto e Suely Avellar, pelo bom gosto da produção. Afinal, Portinari faz poesia quando pinta, e pinta quando compõe seus poemas.


jbatista@unifor.br.

12/11/19.

 

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