Batista de Lima
Meton Barreto de Morais é romancista bissexto. Escreveu "Penhasco". Passou muitos anos remodelando esse romance que nunca publicou. Não fora o empenho da família em publicá-lo por ocasião de seu centenário, ficaria o leitor privado dessa saga que se desenvolve entre Tipiá (Aracati) e Bonone (Campos Sales). É uma narrativa recheada de personagens vivendo uma época que pode ser identificada como as duas primeiras décadas do século vinte.
Dr. Meton nasceu em Campos Sales em 18/03/1910 e faleceu em Fortaleza em 17/09/1996. Formou-se em Medicina, na Bahia, em 1933, sendo o orador oficial da turma de concludentes daquele ano. Sua vida profissional como Clínico e Obstetra desenvolveu-se primeiro na sua cidade natal e posteriormente em Aracati. Daí serem essas as duas cidades que servem de cenário para sua narrativa. Mesmo sendo utilizados nomes fictícios, dá para o leitor identificar esses logradouros, ou seja, ele cuidou da saúde no nascimento do rio Jaguaribe, e do final desse escoadouro, no Aracati.
Sua narrativa mistura realidade com ficção. Traz reminiscências ocorridas nas duas cidades extremas do rio Jaguaribe, Campos Sales e Aracati, com passagens impressionistas sobre a praia de Majorlândia. As falésias daquele ponto do litoral cearense são pintadas como se as palavras pincelassem uma tela de imagens lúdicas e memoriais. Para isso o autor se esmera em transmitir a fala dos nativos, numa mistura de cearencês com dialeto local. Há momentos em que o leitor chega a cobrar um glossário no final do livro para que se entendam tantos termos de época e de lugar.
Suas intertextualidades nos remetem a Oliveira Paiva, com "Dona Guidinha do Poço", e a Domingos Olímpio, com "Luzia-homem". Há algo de regional no seu texto, mas a preocupação principal é apresentar costumes de época. Um romantismo inocente, marcado pelo cavalheirismo, transparece no trato que dispensa às relações sociais. Os diálogos são marcados pela nobreza dos personagens com laivos de esmerada educação, que põem o leitor a pensar na degeneração dos costumes daqueles tempos até os dias de hoje. Os rituais são a tônica a vigorar nas relações entre as pessoas.
O personagem principal é Nardo. O perfil desse personagem traz semelhanças com as características apresentadas na biografia do autor. Os outros personagens, e são muitos, vão desfilando ao longo da narrativa com suas falas bem identificadoras da região do Aracati, principalmente. São pescadores, profissionais liberais, políticos e gente do povo que entram e saem de cena sempre trazendo algum costume, algum comportamento identificador de sua condição social. A culinária traz como principal ingrediente a produção pesqueira acompanhada das frutas regionais e do artesanato local.
Além de tudo isso, há os personagens reais que vão aparecendo ao longo da narrativa. Através deles é possível ao leitor situar os fatos narrados em determinado momento histórico. Prova disso é que numa mesa de carteado ele afirma que "via ali criaturas dos mais diferentes credos políticos, aciolinos, rabelistas com pinta de maior cordialidade". Em outra oportunidade há referência á seca de 1915, quando está escrito que "O quinze, a grande seca, acabou de vez a sua alegria, fazendo o pai largar-se pelo mundo à busca de recursos e não voltar nunca mais". Há ainda um momento em que ele se refere a Floro Bartolomeu, "médico, mas sobretudo um saco de nervos à flor da pele".
Meton Barreto de Morais demonstra, nesse seu livro, ser um homem de leitura. Ele chega a revelar pela voz de Nardo: "Lerei Átila, um prodígio; estarei com Otelo, o mago da delinquência passional; abraçarei Cid, o Campeador, rei do florete e do amor. Estarei ainda com Poetas e Profetas". Numa outra oportunidade ele adentra a historiografia nacional e lembra que "Euclides, assassinaram; Castro Alves de males e amores, mas morreu cantando; Bárbara de Alencar que está ali em Bonone, curtiu masmorra, por uma causa sagrada; Sampaio, modelo de heroísmo caboclo é, sempre e sempre, a imagem da terra".
FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 10/09/13.
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