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O palpite do Natalício

Batista de Lima




A igreja de São Bernardo fica situada na rua Senador Pompeu, que é tida como uma das mais longas ruas do mundo. Ela foi construída quando Fortaleza ainda adolescia. É uma capela situada no Centro da cidade e que na década de 1860 possuía um grande terreno baldio que lhe ficava na parte traseira. Pois ali, no início daquela década, um ricaço fortalezense construiu um navio que veio a receber o nome de Palpite. Esse sonhador se chamava Pacheco, e até Gustavo Barroso cita esse episódio no seu livro "Coração de menino".

Nesse mesmo período, chegou a Fortaleza a famosa Comissão Científica de Exploração (1859), enviada por D. Pedro II para pesquisar a situação da natureza e da população da Província. Essa Comissão, que recebeu o apelido de Comissão das Borboletas, promoveu a vinda da Argélia, de 14 camelos para uma tentativa de resolver o problema de transporte para o interior do Ceará. Entre os componentes da Comissão, estavam Gonçalves Dias, o Barão de Capanema, Freire Alemão, Silva Coutinho, Giácomo Raja Gabaglia, José dos Reis Carvalho e Manoel Ferreira do Lago. Tantas estripulias praticaram no Ceará que essa Comissão Científica Exploradora recebeu o apelido também de Expedição Defloradora, pela população cearense da época.

Essas e outras informações estão contidas no livro "As pirâmides do Egito e o Palpite do Ceará". Seu autor, Natalício Barroso, coloca na Ficha Catalográfica que se trata de História do Ceará. Ora, se for história, pressupõe-se tratar-se de fatos reais, os acontecimentos relatados no livro. São 129 páginas editadas pelo Instituto Episteme de Saúde, Educação e Cultura, neste 2017, trazendo bela capa com o desenho de José dos Reis Carvalho, retratando a Igreja do Seminário da Prainha, em 1859. Se tudo for real, ou houver ficção, não importa, porque a narrativa é tão verossímil que o leitor não duvida da veracidade dos fatos.

Segundo o autor, nessa época (1860), a população de Fortaleza não passava de 20 mil habitantes, "possuindo novecentos e sessenta casas de tijolo, sete mil e duzentas de palha e oitenta sobrados". Interessante é que até os nomes antigos das praças são colocados no livro: Amélia (Castro Carreira), Municipal (do Ferreira), Garrote (Parque das Crianças). Nesse panorama se desenvolve a narrativa com feições de romance histórico, narrando as bebedeiras do Barão, a volúpia conquistadora do poeta Gonçalves Dias e a bigamia de Reis de Carvalho.

Desse grupo, o único que escapa das tintas de Natalício é o Giácomo Raja Gabaglia, que apaixonando-se por uma sobralense, com ela se casou e a levou para o Rio de Janeiro. Quanto aos nativos, ele cita os escritores Juvenal Galeno e Tomás Pompeu; o mais rico comerciante da época, Felisbelo Pacheco e o crápula da narrativa, um tal de Macambira, que vive de espertezas e crimes. É tanto que é ele que negocia com a Comissão, o naufrágio do navio, como forma de encobrir a falta de produção do grupo.

Natalício Barroso, que milita na Literatura desde os tempos do Grupo Siriará, envolve as Pirâmides do Egito, no título desse seu livro, por haver semelhança entre a construção das Pirâmides e o transporte do Palpite, do estaleiro até ao mar. Afinal, foram quinze dias que centenas de escravos gastaram, na base do chicote, para transportar aquele navio. Essa saga é tão bem narrada que o leitor não duvida de que tudo aquilo realmente aconteceu. Inclusive as artimanhas de Macambira não deixam dúvida no julgamento de quem lê o livro.

Essa Comissão Científica de Exploração, indicada pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, com o beneplácito de Dom Pedro II, trazia consigo um ambicioso projeto. Entre suas principais atividades. Estava a exploração nas áreas de botânica, mineralogia, zoologia e astronomia. O Secretário era o poeta Gonçalves Dias, já conhecido pelo seu talento poético. Eles viajaram muito pelo sertão cearense, desde a Zona Norte ao Cariri, deixando relatórios do Secretário, que cita inclusive os falares da população, numa verdadeira incursão linguística que poderia ter rendido melhores frutos.

Essa novela de Natalício Barroso intercala ficção e realidade, mas o leitor não estabelece um divisor entre esses dois aspectos da narrativa. Ele tem um poder impressionante de transitar entre a história e a fantasia, que a impressão que deixa no leitor é de que tudo ali é verdade. É portanto um bom livro, porque prende a atenção do leitor, numa história com ingredientes de romance e ainda traz uma feição didática. Daí ser importante sua leitura pelos estudantes do nosso Ensino Médio, que conhecem muito do mundo lá de fora e desconhecem a sua própria história, a História do Ceará.


FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 28/11/2017.


 

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