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O ostracismo de João do Norte

Batista de Lima



As crônicas de Gustavo Barroso vinham assinadas com o pseudônimo de João do Norte. Nunca ele colocava o nome completo, Gustavo Dodt Barroso. No entanto, esse sobrenome, que lhe confere ancestralidade alemã, pode ter sido uma das razões para aderir ideologicamente à causa nazista e a suas atitudes anti-semitas. Esse seu posicionamento político que o tornou ideólogo do integralismo entre nós, colocou-o na mira da crítica e das editoras que até hoje contribuem para colocá-lo no ostracismo. Seus livros virulentos contra judeus, prejudicaram uma melhor divulgação de muitos outros que escreveu em outras áreas distantes de ideologias de ocasião. Gustavo Barroso escreveu mais de uma centena de livros entre Terra do Sol, de 1912, o primeiro, e Á margem da história do Ceará, de 1962, o último. Há registro de 128 livros editados, mas há quem diga que foram 116. O fato é que juntamente com Coelho Neto (126 livros editados) formam a dupla de escritores com mais obras publicadas entre os intelectuais do nosso país. É preciso, no entanto, deixar claro, quais são suas obras que são da preferência dos leitores e que excepcionalmente conseguiram re-edições. Primeiramente os dois já citados acima, depois, sua agradável incursão pelo mundo das memórias, com Coração de menino, o Liceu do Ceará e Consulado da China. Esses três livros apresentam um perfil do autor, principalmente dos seus vinte e dois anos iniciais da vida, em que permaneceu nesta nossa Fortaleza, que vivia seus áureos anos de ´belle époque´, com as transformações da cidade e de seu povo diante da influência e da introdução de costumes franceses. Acontece que o João do Norte se foi para o Rio de Janeiro onde se projetou tanto, como intelectual, que chegou a ingressar na Academia Brasileira de Letras, de onde foi presidente por dois mandatos. Sua projeção foi tamanha, que representava o Brasil em congressos internacionais e via abertos os órgãos de comunicação que disputavam suas crônicas e seus artigos. Em cima do pedestal que criou, conseguiu abrir as portas do poder público para a fundação do Museu Histórico Nacional, do qual foi também presidente pelo resto da vida. Homem de uma verve convincente, Gustavo Barroso era esmerado orador e homem de uma presença física e educação burilada que mais parecia um lorde dos reinos europeus. Sua oratória anestesiava multidões. Sua permanência na Capital Federal não o afastou do Nordeste ao qual empreendeu o retorno através da escritura. Além dos já citados livros, podem-se citar, com coloração de nossa região: Sociologia sertaneja, Heróis e bandidos, Almas de lama e aço, O livro dos enforcados, Ao som da viola, O sertão e o mundo, Através dos folclores, Praias e Várzeas, Mula sem cabeça e Alma sertaneja. Isso só para citar alguns, tendo em vista o grande volume de publicações de sua lavra em torno dos mais variados gêneros como Historiografia, Arqueologia, Economia, Folclore, Lexicografia, Romance, Teatro, Conto, Novela, Crônica, Ensaio e Memória. Talvez tenha sido o jornalismo o que mais o empolgou. Com tudo isso, nunca foi estudado proporcionalmente ao que escreveu. O mundo da pesquisa científica praticamente fechou as portas ao seu manancial de saberes. Procuram-se teses, dissertações e monografias à altura do legado que edificou. É um esquecido. Entre suas obras que conseguiram re-edição, está À margem da história do Ceará. Publicado em 1962, pela Imprensa Universitária do Ceará, traz o prefácio de Antônio Martins Filho. São 428 páginas de fatos importantes da história do Ceará que em muitos casos não estão narrados em outros livros de história. Além do mais, há fatos em que o autor testemunhou o acontecido, o que faz mais fidedigna a narrativa. Também há incursões explicativas para sucessos literários como Dona Guidinha do Poço, de Oliveira Paiva, e Luzia Homem, de Domingos Olímpio. No caso de Guidinha, sua versão do fato real é a mesma apresentada por Ismael Pordeus que anteriormente havia escrito sobre o fato que deu origem ao romance. A diferença está exatamente em ter o menino Gustavo conhecido pessoalmente Maria Francisca de Paula Lessa, ou Maria Lessa, ou Maria de Abreu, que após 30 anos de cárcere, passou a mendigar pelas ruas de Fortaleza em extrema miséria. Outras narrativas são retomadas nesse livro, trazendo detalhes novos que seduzem a curiosidade do leitor. Um deles é o assassinato do Major Facundo, no começo da noite de 8 de dezembro de 1841. Crime de motivação política, esse assassinato causou comoção em Fortaleza e repercutiu por todo o Brasil. Também a execução de Tristão Gonçalves não passa em branco em seu livro. É evidente que desfilam por suas páginas, narrativas comprovadamente verdadeiras mas desconhecidas do público. Entre elas está a saga de Chagas dos Carneiros, figura folclórica das ruas de Fortaleza, que mesmo cego, conseguiu se salvar do naufrágio do navio Bahia, ocorrido em março de 1887. Na ocasião morreram 40 pessoas, tendo o Chagas conseguido sobreviver. Desde então passou a residir em Fortaleza onde se destacou pelo inusitado de seu comportamento, inclusive conduzindo alguns carneiros, que possuíam nomes de autoridades da nossa novel república. Chagas dos Carneiros era monarquista ferrenho. Outro momento curioso do livro é seu texto intitulado ´As aventuras do Canoa Doida´. Trata-se do perfil do padre Alexandre Francisco Cerbelon Verdeixa, ou padre Verdeixa. Era uma figura curiosa, anarquista, oposicionista e de posições tão extremadas que seus muitos adversários o tinham como louco. Mesmo assim, chegou a ser deputado provincial, sendo cassado por uma assembléia de 20 deputados onde onze deles eram também sacerdotes. Essa figura curiosa suscitou que os organizadores do regimento da Padaria Espiritual colocassem, em um de seus itens, a necessidade de estudá-lo através de um levantamento biográfico cuidadoso. Esses e outros fatos que marcam a nossa história são estudados nesse livro, com detalhes pesquisados por Gustavo Barroso. É portanto, esse autor, uma fonte de pesquisa para a qual nossos estudiosos não mostram o interesse merecido. Acredito, no entanto, que a crônica de João do Norte, ainda vai ser devidamente valorizada, afinal, um Ceará ainda desconhecido da atual geração, ali verbera, pedindo socorro para sair também do ostracismo.

 

14/07/2009.

 

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