top of page
  • Foto do escritorBatista de Lima

O milagre do Juazeiro

Batista de Lima




A partir de 1889, passaram a acontecer milagres em Juazeiro do Norte. A beata Maria de Araújo, ao comungar, tinha a hóstia transformada em sangue. A notícia espalhou-se rapidamente pelo Nordeste e fiéis acorreram ao lugarejo, distrito do Crato, na ânsia de presenciar o milagre nas missas celebradas pelo Padre Cícero Romão Batista, encarregado de vicariar na igreja do pequeno povoado.

A esse tempo o vigário do Crato era o Padre Quintino Rodrigues, que viria a ser o primeiro bispo da diocese cratense, já que a esse tempo aquela cidade fazia parte da diocese cearense cuja sede, em Fortaleza, tinha como bispo Dom Joaquim José Vieira. Foi nesse panorama religioso que as romarias começaram a revolucionar Juazeiro.

Maria Magdalena do Espírito Santo Araújo, 1862-1914, órfã de pai e mãe, fora acolhida pelo Padre Cícero e, juntamente com outras beatas, ajudava nos afazeres domésticos da casa do vigário. Habilidosa, Maria ensinava artesanato a crianças, mas após o milagre, ficou tão visada pelos romeiros que teve que se recolher, evitando excessos de assédio fanático.

Foi tão grande a repercussão do milagre que o bispo Dom Joaquim convocou o Padre Cícero a Fortaleza para dar explicações sobre o fenômeno. Em seguida, escalou uma comissão com os padres Glicério da Costa Lobo e Francisco Pereira Antero para averiguarem a veracidade do milagre. Depois de estudos e pesquisas essa comissão voltou ao Bispo, defendendo a certeza do milagre.

O Bispo não acreditou no relatório dessa primeira comissão e logo em seguida encaminhou a segunda formada pelos padres Antônio Alexandrino de Alencar e Manoel Cândido. Essa nova comissão concluiu que não havia milagre. É bem verdade que alguns autores afirmam que esse padre Manoel Cândido chegou a utilizar de violência para extrair de Maria de Araújo revelações que ela escondia.

Fato é que Maria passou o resto da vida enclausurada e quando morreu foi enterrada na Igreja de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Em 1931, porém, seus restos mortais foram roubados daquele templo, e hoje não se sabe seu paradeiro.

Esses acontecimentos em Juazeiro do Norte já renderam uma rica bibliografia. Uns tomam partido pela veracidade do fenômeno, outros preferem chamá-lo de embuste. Há pouca imparcialidade em torno do acontecido. Talvez Halph De La Cava, em seu "Milagre em Joazeiro", tenha sido o que ficou mais distante das duas vertentes de interpretação.

Daí ser importante uma leitura desapaixonada de toda essa literatura sobre o tema. Como exemplo, podemos citar "Apostolado do embuste", do Padre Antônio Gomes de Araújo, em que o milagre com a Beata é tratado como uma manipulação química produzida por José Marrocos. José Joaquim Teles Marrocos, 1842-1910, era professor e jornalista. Como primo do Padre Cícero, tinha acesso livremente à residência do Padre, ambiente em que mantinha contato permanente com Maria de Araújo. Quando fora seminarista, terminou por ser expulso do seminário sob a alegativa de ser filho de padre.

Indo para Juazeiro, fundou o jornal "O Rebate", em que defendia os milagres e verberava pela emancipação de Juazeiro a cidade. Essa emancipação ocorre em 1911, um ano após sua morte, provavelmente envenenado por Floro Bartolomeu.

Nesse livro do Padre Antônio Gomes de Araújo, lançado agora em edição "Fac Simile" pela Editora e Revista A Província, o grande vilão é José Marrocos. Esse livro foi lançado em primeira edição pela Tipografia Imperial em 1956, na coleção das edições Itaytera, do Instituto Cultural do Cariri.

O autor, padre, professor e historiador, não poupa acusações a José Marrocos a quem atribuiu um embuste para que aparecesse o sangue na hóstia da beata. A partir do título já começam os ataques aos que compuseram a cena do milagre. Até o padre Cícero recebe respingos de sua verrina.

As acusações são tão fortes que até na introdução ao livro, feita por Jurandy Temóteo para essa edição, o opúsculo de 84 páginas é classificado como "polêmico". Fica claro que o clero cearense voltou-se contra o Padre Cícero e condenou tudo que se referia ao milagre.

Mas se o milagre em si não ocorreu, outro paralelo começou a vingar naquele momento. Trata-se das romarias que a partir de então acorreram àquela cidade. E Juazeiro cresceu, e o padre Cícero ficou sendo reverenciado cada vez mais.

Juazeiro do Norte cresceu no rastro dos milagres. O padre Cícero foi proibido de exercer as funções sacerdotais, mas não deixou de fazer suas pregações e atender os seus romeiros. Deu exemplo de religiosidade, mas também de habilidoso administrador. Foi político de posições firmes e gregárias a ponto de liderar entre todos os coronéis do Cariri. Salvou Juazeiro de ser uma nova Canudos.

E agora, depois de muitos anos tem seus direitos adquiridos com a Igreja lhe abrindo as portas, pois todo um século de romarias e penitências de um povo desvalido e desassistido do nosso sertão só viu crescer a cidade e a fé em um clima de penitência e harmonia.


FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 26/04/2016.


 

3 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Opmerkingen


bottom of page