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O livro e a leitura

Batista de Lima


Eis o livro, e sobre suas páginas acalentei minha alma. Por isso, ao tocá-lo, é em mim que tocas. Cuida bem dele, com solidariedade. Podes com ele não concordar, como não concordas com muito do que digo. Entretanto, ele estará presente em todas as tuas horas. Basta abri-lo e dele pulará uma criatura como que despertada pelo simples toque.

Nele há uma multidão de palavras, todas com suas histórias para nos contar. E como é confortável ouvir histórias. E as histórias nos chegam montadas em palavras, e as palavras vêm no aconchego das páginas dos livros. Portanto, ao se tocar em um livro dele brota um confortável diálogo de nós leitores com o autor e seus personagens.

Ao abrirmos um livro é possível sentir a pulsação do seu autor e o alarido dos personagens. Entretanto, o diálogo com todos eles só se torna possível através da leitura. Ler é reativar personas, através das palavras que nos foram deixadas.

Há todo um palco que se deseja nas páginas sobre as quais nos debruçamos. Celebração e cerebração se unem e nos alçam a desconhecidos patamares. Os ideários se oferecem para nosso conhecimento. Razão e emoção se oferecem para a nossa livre escolha, ora na busca científica do cérebro, ora no deleite do espírito anímico, respectivamente. Apolo e Dionísius disputam a nossa curiosidade, o trabalho e o prazer nos abrindo suas portas. A literatura, a arte, a ciência, a religião e a técnica se dão as mãos democraticamente na nossa estante convidando-nos para a festa do intelecto.

Didático ou paradidático, guia do estudante para chegar ao científico, ao técnico ou artístico, o livro é guia. Abre caminhos e elastece o horizonte, depois de ampliar as dimensões da pessoa. Ele dá asas e instruções de voo. Dá orientação para o caminho da ida sem perder o rumo do caminho da volta.

O livro começa a brotar com a folha de papel, com o panfleto, o prospecto, o cordel, o periódico, o jornal, a revista, mas quando chega às 50 páginas, emancipa-se, cria lombada e passa a se chamar livro. Depois põe-se nas nossas estantes, rogando para que alguém o leia. Ele fala com palavras escolhidas entre as melhores, com correção gramatical, capa atrativa, o livro é elegante e prima pela delicadeza.

A história do livro remonta à origem da escrita. A escrita surgiu quando o homem começou a desconfiar de sua memória oral. Ela alienou a mente, quando confiou no que estava gravado e deixou de armazenar na sua mente, tudo aquilo que via, ouvia e sentia. Influiu para isso a escrita no mármore que dava uma durabilidade que superava o que corria de boca em boca. A escrita passou a ser testemunha inconteste. Depois do mármore houve a evolução para o papiro e depois para o pergaminho. Cada estágio desses era marcado por novas formas do escrever.

Foi, entretanto, Gutemberg quem deu o grande salto para disseminar a leitura. Criou a máquina impressora e iniciou a edição rápida do livro, começando o tempo da indústria da comunicação. Sua edição da Bíblia foi o marco inicial de uma nova era para o livro. Foi então que as grandes bibliotecas começaram a surgir. As grandes salas de leitura foram aparecendo como ambientes em que sonhos e realidades passaram a se dar as mãos, elastecendo o conhecimento do homem. Mundos e mundos vieram se lançar aos braços de milhões de leitores. Os gênios foram resgatados do ostracismo em que estavam.

Momento importante na evolução do livro em busca do formato hoje conquistado foi o surgimento das margens e páginas brancas no seu interior. Foi quando os editores concluíram que o livro nunca está completo aos olhos do leitor. Por isso as margens e espaços em branco para a escritura de quem está lendo. A leitura completa, portanto, precisa vir acompanhada da escritura. É bom, pois, sempre ao se ler, ter em mãos algo para escrever às margens. Já com relação à pontuação que foi incluída nos textos, foi uma necessidade de se marcar o ritmo da leitura e para concatenar a respiração do leitor.

Foi, entretanto, com o surgimento da imprensa, em 1455, que teve impulso a edição de livros. Com a popularização do livro, houve paralelamente o surgimento dos jornais. A informação foi tomando vulto e a narrativa, história fantasiosa, passou a perder espaço. Coincidentemente, logo em seguida as epopeias tradicionais foram sendo substituídos pelos romances. O "Dom Quixote" tem sido considerado o primeiro grande romance da Modernidade. Aquele amontoado de versos metrificados para contar uma saga passou a dar lugar a uma prosa fácil de ser composta e lida.

O livro, portanto, evoluiu. Também evoluiu a quantidade de leitores. As editoras proliferaram nos mais recônditos locais. A indústria cultural cresceu os olhos e passou a utilizar-se das mais variadas mídias para propagar o consumo do livro. As distâncias encurtaram, as histórias foram recontadas. Os gênios tiveram suas vidas retratadas com minúcias. A leitura democratizou-se e as grandes bibliotecas foram surgindo em todas as partes do mundo.

Com o surgimento da era digital, o livro passa a ser colocado on line e já conta com grande parcela do universo dos leitores. A pergunta que se coloca hoje é: será que o livro digital eliminará o livro impresso no tradicional papel? Para muitos isso não é preocupante. O que importa é que o ato de ler permaneça. Que a leitura continue sendo uma forma do ser humano dimensionar-se para muito além de si próprio.


FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 10/11/15.


 

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