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O livreiro Gabriel

Batista de Lima


Gabriel José da Costa é o pernambucano mais cearense de que se tem notícia. Nascido em 1934, chegou ao Ceará no início da década de 1970, fugindo da repressão política que em Pernambuco parecia ser mais cruel do que por aqui. Gabriel era filiado ao Partido Comunista Brasileiro, alvo da repressão daqueles tempos duros. Fortaleza o recebeu sem saber que estava abrindo as portas a um mecenas, um animador cultural, idealista e promotor da leitura entre os jovens.

O idealismo de Gabriel fê-lo concluir que mais importante que vender livros é promover a leitura. Fundou uma pequena livraria no centro de Fortaleza que em pouco tempo chegou a se transformar em ponto de encontro dos intelectuais cearenses. Ali se compravam livros com ou sem dinheiro. Se todos os fiados que ainda lhe devem lhe fossem pagos, Gabriel não precisava mais trabalhar. Mas, isso não conta na sua forma de viver. Esses livros que saíram de sua livraria mudaram o perfil de muitos cearenses.

Nesse seu sacerdócio promoveu lançamentos literários, financiou edições de livros e jornais alternativos, participou de grupos culturais, com especial vivência no Nação Cariri. Mas também estava presente em eventos do Siriará. É tanto que ao promovermos a chuva de poemas, no centro de Fortaleza, foi ele um dos principais financiadores. Toda essa participação cultural tornou-o conhecido e estimado pela intelectualidade cearense desde o mais circunspecto acadêmico ao mais panfletário escrevinhador.

Conheci Gabriel no seu momento de maior paixão. Ela era minha aluna no Colégio Brasil, na Rua Dona Leopoldina. Ali eu lecionava Língua Portuguesa, no turno da noite, e a aluna mais bela daquela numerosa turma era a Neves. Pois, era a namorada do Gabriel, depois sua esposa. Ali eu o conheci, pois todos os dias ele ia deixá-la e buscá-la ao final do turno. Sempre de roupa branca, nunca o vi que não estivesse totalmente de branco.

Depois frequentei sua livraria, ali no Centro, próximo à Secretaria de Segurança, na Praça dos Voluntários. Cheguei até a participar do chope dos sábados que ele oferecia aos intelectuais na sua livraria. Depois passei a conviver diariamente com esse grande amigo nas dependências da Unifor. Gabriel, depois de tantas andanças ancorou na Universidade de Fortaleza, graças à amizade e admiração mútuas com o Chanceler Aírton Queiroz. Foi assim que conseguiu espaço e montou sua livraria nessa Universidade.

Sua convivência na Unifor é um capítulo à parte para sua biografia e para a história da Universidade. Ali ele direcionou mais sua livraria para a área do Direito. E não apenas vende a vista ou financiado, como também empresta livros para os alunos. Há casos de alunos que esquecem o Código em casa, em dia de prova, e recorrem a Gabriel que lhes empresta exemplares de que dispõe só para esse fim.

Já houve casos de alunos carentes a quem ele presenteou livros didáticos que poderiam ser vendidos e lhe auferirem lucros. Acontece que Gabriel já está muito rico do que mais sonha em possuir: a amizade, o reconhecimento e os sucessos dos alunos que o procuram e depois retornam para lhe contar das conquistas no difícil mundo do trabalho. É essa a fonte de sua felicidade.

Gabriel José da Costa, de tanto conviver com os livros terminou também por escrever os seus. Isso porque é também um inveterado leitor o que lhe proporciona facilidade na hora da escrita. Seria, no entanto, necessário escreverem-se resenhas sobre seus escritos, o que não cabe aqui. Acontece que não podemos deixar de citar aquela sua obra que considero mais consistente de toda a sua produção literária. Trata-se de "Novos Cantos Tardios".

Nessa sua coletânea é possível garimparem-se joias como: "Suas mãos acenam adeuses lá longe, no limiar da tristeza e sinto sua presença no vento norte, antevendo o soar não esperado da hora nona". Lírico, Gabriel produz uma prova poética de alto nível, mas que não recebe a divulgação que ele promove em torno dos livros dos outros. Quem duvida da qualidade de: "As mãos ficaram imóveis no prelúdio dos gestos como se fossem asas implumes, inúteis, frente ao chamado dos Ventos?". É esse outro Gabriel que também precisamos conhecer.


FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 10/01/12.


 

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