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O Lampião de Cicinato

Batista de Lima

Lampião é o mito nordestino mais celebrado em livro. Bandido, em torno do qual instaurou-se uma aura romântica, esteve por vinte anos perseguido pelas polícias de sete estados nordestinos, mas nunca foi preso. Calcula-se que esse Rei do Cangaço, juntamente com seu bando, tenham assassinado mais de mil pessoas e teriam incendiado em torno de quinhentas fazendas. Na sua saga, enfrentou mais de duzentos combates e pode ter matado mais de cinco mil reses. Um contingente de quinhentas mulheres devem ter sido violentadas, e algumas ferradas pelo cangaceiro Zé Baiano, pelo simples fato de exibirem um corte de cabelo que não agradava o facínora.

Só no livro “A misteriosa vida de Lampião”, de Cicinato Ferreira Neto”, Editora Premius, 2010, em 294 páginas, há referências a 110 obras que tratam do Rei do Cangaço e seu bando. Diante dessa fartura de trabalhos, o leitor se depara com estudos que miram o cangaceiro sob os mais variados ângulos. Há combatentes das volantes cujas narrativas apresentam diferenças daquelas escritas por coiteiros ou admiradores do cangaço. Há também obas que abordam o fenômeno sob um ponto de vista científico e que se isentam de qualquer paixão ou envolvimento.

O livro de Cicinato se coloca no meio termo entre o tratamento metodológico que deveria nortear sua escrita e sua paixão pelas histórias do cangaço. É, pois, uma obra diferente, pois coloca o leitor diante de algumas perguntas que não são respondidas, nem precisam. Afinal, o valor de uma obra pode se filiar muito mais ao que indaga do que diante do que afirma. Uma das questões postas diante do leitor diz respeito ao fato de Lampião nunca ter se vingado de Zé Saturnino, um dos responsáveis pela morte de seu pai. Outra dúvida fica por conta das relações de Lampião com o Padre Cícero Romão Batista.

Lampião era acompanhado, no seu bando, por três dos seus irmãos: Antônio, Livino e Ezequiel. Os três foram mortos antes do Rei do Cangaço. Ainda tinha o irmão João, que não entrou no cangaço, mas mudou-se para Juazeiro do Norte com as irmãs: Virtuosa Angêlica, Mocinha e Anália. Apesar de algumas perseguições, essa parte da família fixada em Juazeiro teve a proteção de Padre Cícero e de Floro Bartolomeu. Será, pois, que não houve algum acordo tático entre Virgulino, o Padre e seu assessor Floro em benefício da proteção da família Ferreira em Juazeiro, em troca de menos incursões do bando pelo Ceará?

Outro mistério, de que Cicinato não fala, fica por conta da fortuna deixada por Lampião. Em Angicos, por ocasião de sua morte, em julho de 1938, os militares da volante assassina fizeram verdadeira pilhagem dos bens dos cangaceiros. É sabido, entretanto, que depois de traído pelo Coronel Zé Pereira, de Princesa, a quem tinha confiado muito dinheiro e joias, Lampião passou a transportar seus bens, durante suas caminhadas. Quando o volume era grande, ele enterrava em locais inóspitos. Pelo menos, cinco botijas foram preparadas por Virgulino. Delas, ele se utilizou apenas de duas. Onde estão hoje os três tesouros enterrados por Lampião?

Há também o caso do ataque a Mossoró que foi a primeira e grande derrota de Lampião. O Rei do Cangaço, quando ia atacar qualquer cidade, mandava olheiros investigar a situação. Por que isso não aconteceu na cidade do Rio Grande do Norte? Será que ele foi só confiando no que dizia Massilon Leite? Essa e outras questões quando aparecem explicadas, trazem diferentes respostas. É, portanto, esse fenômeno que torna Lampião um personagem controverso. Prova é que o cangaceiro era muito religioso e devoto do Padre Cícero, mesmo sendo um cruel assassino.


FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 23/04/19.


 

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