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O humanismo em Josué de Castro

Batista de Lima


Desde 1963, quando ingressou no magistério, o doutor Josué de Castro, professor da Faculdade de Medicina da UFC, vem construindo uma trajetória de humanista cujo foco de atuação é o bem-estar psicossocial das famílias. Nesse mister ele extrapolou os muros da Universidade para a prática psiquiátrica em instituições como a Clínica Geriátrica Santa Maria, o Hospital de Saúde Mental de Messejana, o Hospital Psiquiátrico São Vicente de Paulo, o Hospital Universitário Walter Cantídio e a Clínica Prof. Josué de Castro. Essa bagagem de experiências teóricas e práticas faz do professor Josué uma personalidade conhecedora do mal-estar e da subjetividade que permeia nossa população.

Essa população citada é a que se aglomera principalmente no meio urbano, propício para o surgimento de maníacos, esquizofrênicos e sociopatas. São figuras devastadas em suas estruturas profundas, dada a excitação da selva de pedra em que têm se tornado nossas cidades. Nossas cidades são nossa demência.

Construímos conglomerados desumanos e nos vitimamos com eles. Essas cidades são corpos sem alma. São gaiolas onde a mobilidade se torna cada vez mais difícil. Não temos aconchego nas praças nem nos parques.

Sair de casa é correr riscos. Portanto nos enjaulamos e terminamos por pagar muito caro por esse enclausuramento. Perdemos de vez o visual da imensidão.

Para detectar essas mazelas que nos maculam, professor Josué tem ministrado para seus discípulos, disciplinas teóricas como respaldo para uma futura prática. Assim ele tem lecionado Psicologia, Psicologia Médica, Psicopatologia, Psicossomática e Psiquiatria. São disciplinas que ampliam o fôlego dos discentes para futuros mergulhos na alma humana. Não é fácil adentrar os meandros da mente sem que estudos sérios e treinamentos paralelos sejam efetivados. O psiquiatra é o médico da metáfora humana. Essa metáfora se aloja em um mundo marcado por tanta vastidão que nunca se conseguiu chegar nos exatos limites de sua dimensão.

Os distúrbios que vão se instalando nessas dimensões humanas hoje são mais comuns nos jovens que, sem muita perspectiva de vida, apelam para a felicidade instantânea do álcool, da cocaína, da maconha e do crack.

Professor Josué na sua clínica tem enfrentado muitos desses casos e conseguido recuperações surpreendentes. Tem também detectado uma incidência cada vez maior de estresse, ansiedade e depressão. Muitos desses distúrbios são ocasionados pela deterioração da família que a cada dia vem se fragilizando. A expectativa de vida não está combinando com a realidade social em que pai e mãe se enfronham no mercado de trabalho e deixam os filhos à mercer de terceiros.

É exatamente com essa preocupação com crianças e adolescentes que Josué de Castro tem pautado a maioria das suas crônicas. São textos que provocam reflexões sobre o comportamento dessa juventude vitimada pelo enfraquecimento dos liames familiares. Na sua crônica “A educação”, ele vai lá a Rousseau já para demonstrar que em pleno século XVIII esse pensador pregava uma maior liberdade para as crianças que à época eram submetidas a coercitivas restrições. Coincidentemente, logo em seguida, no século XIX, já surgem os primeiros estudos em torno da Psiquiatria infantil. Até parece que à proporção que essas crianças foram se libertando de certa rigidez familiar os problemas de ordem comportamental foram surgindo.

Essa crônica e mais de uma dezena de outras compõem sua mais recente publicação, uma coletânea com o título “Os ciclos ou os caminhos da vida”. Editada pela Expressão Gráfica e Editora, em 2012, essa seleta merece ser lida para se ter ideia da missão humanista que o autor vem desempenhando ao longo dos anos e que agora vem transformada em textos para um melhor conhecimento do público. Agora não são apenas seus alunos mas também seus leitores que podem se abeberar de tantos conhecimentos acumulados ao longo de décadas, na teoria, em sala de aula e na clínica do dia-a-dia. Professor Josué de Castro atua exatamente como moderador da tensão existente entre o indivíduo e a sociedade. A partir da fala desse indivíduo ele tem uma visão das encruzilhadas que atormentam o grupo social.

Outro texto que desperta muita curiosidade é “O livro da memória”. A memória é tratada como “fundamental para a cognição, a identidade e o conhecimento humano”. Ela nos permite entrarmos em estado de alegria ao recordarmos de momentos alegres e felizes por que passamos. Por outro lado, “quando estamos tristes, lembramos acontecimentos infelizes”. Por isso que o mal de Alzheimer é devastador para a pessoa. Afinal, ao apagar inexoravelmente a memória, ele não permite os momentos de alegria, nem os de tristeza. A criatura diante desse quadro perde inclusive a identidade, pois ao perder a percepção, não se conhece mais.

O momento, no entanto, mais instigante do livro é o que traz as reflexões sobre “Os sonhos e a felicidade”. Nesse texto, o autor, depois de se debruçar sobre “O homem e seus símbolos”, de Jung, e sobre “A interpretação dos sonhos”, de Freud, chega ao desejo como origem do fenômeno. O sonho é a representação de um desejo. O inconsciente acumula imagens adquiridas ou herdadas que o desejo seleciona. Uma das lacunas que os teóricos ainda cobram com relação às análises do sonho, seria com relação às artes surreais que tiveram sua culminância nesse mesmo período. Freud foi contemporâneo de André Bréton.

Finalmente chega-se à conclusão de que a leitura dos escritos de Josué de Castro é uma agradável aula em que o professor necessita apenas narrar suas experiências como professor e como clínico. Muitas gerações já beberam nessa fonte de saberes. Mas não são saberes quaisquer. São revelações extraídas das mais profundas dimensões humanas. São mergulhos na mente, esse universo ainda desconhecido por nós, em muitas das suas dimensões. Não temos idéia do que contém de surpreendente no nosso duplo, imagine-se conhecer esse duplo no nosso circunstante. Só os psiquiatras e psicólogos mais preparados conseguem detectar essas reentrâncias mentais, e doutor Josué de Castro é uma dessas privilegiadas criaturas.


FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 22/01/13.


 

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