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O humanismo de Cristovam Buarque

Batista de Lima

O humanismo proposto por Cristovam Buarque vem sobreposto aos erros do sucesso do homem contemporâneo. É um humanismo que tenta salvar o "homo crisis" após a esbórnia consumista que marcou o século passado. É em torno dessa temática que ele centra seus conceitos sobre a evolução humana desde o "homo sapiens" até o que ele vaticina como "homo harmonicus" a que almejamos para o futuro. Esse futuro, no entanto, com qualquer de suas quimeras, precisa estar no seu devido lugar, evitando a neura que marca a geração atual, de viver já no presente, tudo aquilo que está no futuro. Equívoco, pois, é dizer que o futuro é agora.

Questões desse tipo podem estar com suas respostas nesse seu recente livro, "O erro do sucesso". São ensaios e palestras produzidos em ocasiões diversas nos últimos anos. O livro se inicia com um substancioso prefácio de Domenico de Masi, intelectual italiano, que tem se destacado pelas assertivas que vem produzindo em torno das preocupações com o futuro, em especial sobre o ócio produtivo.

Como prefaciador ele ocupa 11 páginas para enaltecer a figura de Cristovam mas, principalmente, para analisar os ensaios do Senador brasileiro. Começa por apontar as duas obsessões de Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque: a educação e o bem-estar social, que podem concretizar uma revolução suave entre nós.

Apesar de sua primeira formatura ter sido em engenharia mecânica, depois se tornou economista, pedagogo, professor e político. Foi, no entanto, na educação que ele focou mais sua trajetória de "semeador de utopias", como apregoa em suas palestras. Daí ter chegado a Ministro da Educação, além de ter sido Reitor da UNB e se tornar Senador. Atrelada à educação vem a outra obsessão, que é o bem-estar social.

É a partir desses dois pilares que ele centra sua atuação em torno do trabalho, da saúde, da infância, da juventude, dos transportes, da condição feminina e do lazer. Entre as influências que forjaram seu humanismo pode-se citar Paulo Freire, Hélder Câmara, Celso Furtado, Darcy Ribeiro, Miguel Arraes e Leonel Brizola. Sobre esse respaldo ergue-se a plataforma ideológica de Buarque.

O ensaio principal - que tem o mesmo título do livro, "O erro do sucesso" -, traz sua visão da evolução do homem ao longo da história, mostrando erros e acertos do sucesso. Sua visão do "homo sapiens" o coloca como produto de uma mutação biológica acontecida em torno de 400 mil a 100 mil anos atrás, no continente africano.

Logo em seguida ele apresenta o homo urbano, com suas primeiras manifestações de sedentarismo e a descoberta da necessidade de uma outridade, o que o levou a ser gregário a partir de então. Quando surgiu o homo racional, como terceiro momento dessa evolução já estávamos em torno de 2.500 anos antes de nossos dias, no momento da culminância do pensamento grego.

Esse homo racional tornou-se um homem de perguntas. Interrogou o mundo para encontrar respostas aos seus cismares. Concluiu que a existência humana teria sentido se fosse uma busca incessante pela felicidade. Foi esse o momento em que se estruturaram as bases do pensamento ocidental que repercute até hoje.

Logo em seguida, Cristovam Buarque nos traz o homo humanista, pondo-nos como ponto de largada o ano de 476 d.C com a queda de Roma nas mãos de povos bárbaros. A sua arqueologia em torno da racionalidade dá uma parada de mil anos em que o homem se volta para o humanismo religioso.

Após esse longo período de um milênio, brota no horizonte da história o alvorecer da modernidade de braços com o homo produtivo que teve sua culminância ao produzir o homo industrial. Foi esse o período em que mais se enfatizou a racionalidade que produziu um positivismo em nome da ordem e do progresso. Os meios de produção, em especial a indústria, jogaram no mercado de consumo uma superprodução difícil de ser digerida naquele momento.

A velocidade aumentou com o vapor, as distâncias diminuíram e o homem ingressou no mundo da automação. Então surgiu o homo consumidor, a partir dos países mais desenvolvidos, que não conseguiram deglutir tamanha esbórnia de bens e tiveram que exportar seu fordismo. Cristovam Buarque põe esse homo consumidor como produto da contemporaneidade, perdido entre guerras e depredações, entre velocidades e depressões.

O que resulta dessa herança do século XX é um homem desnorteado diante de um futuro que se deslocou para o presente. O grande equívoco de viver o futuro agora deixa o ser humano sem perspectiva. A derrocada do sonho tem ultimamente produzido o homo crisis. As clínicas terapêuticas estão entupidas de buscadores de sonhos. As imensidões estão enclausuradas entre quatro paredes e está cada vez mais difícil devolver o futuro para o futuro. Isso só vai ser possível se o homem abdicar de alguns passos que deu para além do que devia.

Depois de todo esse périplo através dos tempos, o que resta a esse homem como tábua de salvação? Cristovam propõe o diálogo. É um diálogo global entre as pessoas e entre o ser humano e a natureza. Depois de tudo isso é provável que possa surgir um homo harmonicus como resultante de uma conscientização pós-crise.

É preciso reconstruir o ser humano diante do vazio espiritual de que está acometido. É preciso que uma linguagem comum entre as pessoas possa eliminar o terror, a violência e a droga. Que a vida encontre o seu sentido erigido sobre um pedestal de paz, liberdade e democracia. Daí a necessidade dessa doce revolução que o livro propõe através de uma educação que prepare o futuro e não apenas que vise a soluções para o presente. Nesse sentido esse livro de Cristovam Buarque é um alerta, carregado de um profundo tônus profético.


FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 06/10/15.


 

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