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O fantástico em Lígia Fagundes

Batista de Lima



A professora Aíla abordou em Lygia, a questão do duplo, a viagem ao passado, a ressurreição, a possessão e os animais. Suas leituras de Hoffmann na criação, de um lado, e de Todorov na análise dessas criações, contribuíram para delimitar e analisar o fantástico na escritora paulista A hesitação que se instaura entre o natural e o sobrenatural quando queremos entender um fenômeno, é canteiro preferido para cultivo do fantástico. Esse possível espaço entre uma certeza e uma deriva se pinta de tonalidade cinza, como se do choque claro/escuro surgisse algo ambíguo, in/devassável. O gênero romântico começou a engatinhar por aí. Por isso que ele cultivou a sombra, valorizou tanto a penumbra que deixou o homem pasmo diante de seus abismos. Entre a pele e o abismo travamos a luta eterna com o duplo. Parece que temos uma porta, ou talvez uma janela semiaberta que nos põe em contato mas não revela o outro lado de uma vastidão tão ampla que hesitamos em dar um passo à frente. Ancorados na pele, postados na margem, não mergulhamos nesse outro e preferimos cultivá-lo do que desvendá-lo. Esse cultivo de um jardim sem fim proporciona-nos colher flores que não veremos frutos ou colher frutos que não vimos flores. Hesito logo existo. Não quero desvendar meu duplo. Prefiro alimentar essa hesitação e imaginar sua face mais ou menos à minha imagem e semelhança. Por isso que sempre que me posto bem próximo do fantástico, uma adrenalina lateja forte entre uma estrutura de superfície que vivo a polir e uma estrutura profunda que não sei dos limites. Agora mesmo chega às mãos "Os fantásticos mistérios de Lygia", escrito por Aíla Sampaio e editado pela Expressão Gráfica Editora. Esse livro é resultante de sua dissertação de mestrado, defendida na Universidade Federal do Ceará, sob o título "Tradição e modernidade nos contos fantásticos de Lygia Fagundes Teles". Ela começa acertando na escolha de seu orientador, no caso o Professor Doutor Teoberto Landim. E é preciso explicar por quê. Seu orientador é oriundo da zona norte do estado do Ceará, onde as sombras dos socavões da serra da Ibiapaba deixaram florescer a literatura fantástica cearense de repercussão nacional. Foi ali que nasceu seu parente Gerardo Melo Mourão, foi também por perto que José Alcides Pinto regou seus fantasmas sendo seguido por Dimas Carvalho, Costa Matos e antes de todos, local onde se iniciou a saga de Emília Freitas com o seu "A rainha do ignoto". No entanto, sempre ligamos o fantástico ao Romantismo e talvez seja por isso que a obra de Emília Freitas esteja a merecer leituras mais definidoras. Mas voltando a Lygia Fagundes Teles, é possível dizer que ela encontrou em Aíla Sampaio uma arguta analista dos desvãos do lado fantástico de sua obra. Essa análise recai principalmente sobre a obra Mistérios, da escritora paulista. Aíla Sampaio não fica, no entanto, só no estudo do texto de Lygia, ela vai mais além ao constatar que a teoria do fantástico precisa ser revista para melhor se adaptar ao mundo urbano de hoje onde os nossos fantasmas não mais se esgueiram em sótãos tabuados ou porões de aracnídeos. A incerteza que se instalou no nosso cotidiano é assombrosa e é ela que alicerça o fantástico moderno. O portão de nossa casa é o limiar que nos separa do pânico e do horror diante de um mundo sinistro e encrespado que lá fora nos espreita. A psicanálise tem se voltado para a explicação dessa síndrome que se abate sobre a civilização atual. O mal-estar que nos atinge é comprovação da complexidade do munto atual onde um caos ilimitado parece crescer a cada instante. Por isso que a leitura de Aíla Sampaio sobre a escritura de Lígia Fagundes Teles é um alerta para nos posicionarmos diante do insólito. A escritura dilui o mal-estar. Escancarar uma síndrome é uma forma de diminuí-la. A professora Aíla abordou em Lygia, a questão do duplo, a viagem ao passado, a ressurreição, a possessão e os animais. Suas leituras de Hoffmann na criação, de um lado, e de Todorov na análise dessas criações, contribuíram para delimitar e analisar o fantástico na escritora paulista. O melhor momento, no entanto, na sua análise, é quando ela confronta o fantástico tradicional e o moderno e procura uma inclusão dos contos estudados em um desses momentos do fantástico. Quando trata dos animais a contista humaniza-os metamorforizando-os sem os tornar hediondos. Outro viés por onde a autora auscultou a obra de Lygia foi com relação aos personagens. Diferentemente do fantástico tradicional com personagens vítimas de algum tipo de corrosão, nos contos analisados ela verifica que todos os personagens são "criaturas comuns retiradas do cotidiano". São personas que reagem, "contrariando a passividade habitual da personagem fantástica. Diante pois de tudo isso Aíla Sampaio adverte que necessária se faz "uma revisão nos conceitos do gênero fantástico". Outra constatação é que não é fácil escrever uma obra desse tipo, dentro de uma linguagem científica com sua aridez tradicional. Ao mesmo tempo é mérito conseguir cativar o leitor e prendê-lo ao texto por longos 187 páginas sem se cansar. Aíla Sampaio, autora de belos poemas já editados em livro, consegue nesse novo trabalho, demonstrar que, para quem tem talento, não importa o gênero que aborde, estará sempre agradando o leitor de maneira geral, independente de seu maior ou menor poder de percepção.

 

06/10/2009.

 

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