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O erotismo e o paraíso

Batista de Lima


O primeiro recurso utilizado pelo professor Henrique Figueiredo é estabelecer dicotomias como base dos seus conceitos. A estrutura dos seus escritos tem uma base binária numa forte demonstração dessa tendência europeia que influenciou os pensadores dos últimos séculos do velho mundo. Este é o título do mais recente livro de Henrique Figueiredo Carneiro, publicado pela editora As Musas. É um ensaio de 80 páginas em que o autor apresenta as causas e as necessidades da quebra da harmonia no Paraíso para a instauração do humano fundador da alteridade. Para respaldar suas incursões nesse universo rarefeito, desprovido de fontes científicas fidedignas, o autor vasculha O Gênesis, o primeiro dos livros da Bíblia, a porta aberta do Pentateuco. É com base no que ali está escrito que o autor formula seu ensaio.

O primeiro recurso utilizado pelo professor Henrique Figueiredo é estabelecer dicotomias como base dos seus conceitos. A estrutura dos seus escritos tem uma base binária numa forte demonstração dessa tendência europeia que influenciou os pensadores dos últimos séculos do velho mundo. Daí que ele passeia com desenvoltura da metáfora à metonímia, da árvore do bem à do mal, do feminino ao masculino, da finitude à eternidade, da vida à morte, do prazer ao desprazer, de Adão a Eva, da monotonia à tensão. Esse mundo dicotômico pode ainda ser transgredido no surgimento das possibilidades triádicas.

Essas possibilidades sugerem uma análise semiótica do contexto, pois em cada dicotomia pode-se acrescentar um elemento terceiro. Assim, entre Adão e Eva, podemos instalar a serpente na formação da tríade transgressora. No entanto entre o casal primogênito podemos instalar o criador como terceiro ângulo no seu momento de punição e de fundador das leis transgredidas. Entre a monotonia e a tensão pode-se instalar a alteridade ou a sexualidade como formas de abrandamento da certeza do homem de sua finitude.

Essa finitude é produto do atrelamento do espírito humano ao corpo. Esse atrelamento cria uma tensão entre o homem metonímico e o homem metafórico, entre uma estrutura de superfície e uma estrutura profunda. É uma permanente tensão onde se instala a fala humana como resposta à condição icônica do ser humano de ser a um tempo espírito e corpo que se acorrentam. A incorporalidade do Ser supremo lhe dá o privilégio de ser apenas metáfora não se instaurando em si a tensão provocada pelo atrito com a matéria.

O interessante nisso tudo é que o estatuto primeiro da arte passe a ser exatamente a ânsia que o humano possui de ser metáfora através da transformação metonímica. É a vontade de imprimir no mundo icônico os indícios da presença do Ser supremo que cada um se acha com o direito de também ser possuidor de suas potencialidades. Essa atitude rebelde leva à legitimidade da arte como transgressão, pois procura colocar em evidência caracteres que são privilégio do Ser supremo mas que o humano se considera capacitado para imitá-lo na sua construção do mundo da cultura.

O mundo da cultura como um mundo externo ao Paraíso é uma reação do humano que de lá foi expulso por quebrar a monotonia harmônica, por rejeitar a linearidade de um contexto onde seu texto metafórico não era permitido pela Lei. Daí que o conceito de plenitude como fundamento da estada no Paraíso não satisfaz a inquietude humana que frui muito mais das carências do que das completudes. É sob este prisma que o humano é ciente da falta que a falta faz e que só a partir de um vazio metafórico é que ele pode desejar ser repleto. Mas é um desejo que não deve se tornar plenitude.

Uma das questões que o professor Henrique Figueiredo nos coloca, a partir da plenitude existente no Paraíso diz respeito à "harmonia perfeita entre os contrários". Será que na dialética dos contrários é possível a existência de uma harmonia? Será que a harmonia não já implicaria a eliminação de contrários? Se assim ocorre, a morte é realmente monótona por eliminar seu contrário, a vida. A morte é monótona por ser metonímica e a única forma de metaforizá-la é instaurar uma possível nova vida no pós-mortem. Daí que as religiões sobrevivem por serem criadoras de bem urdidas metáforas.

Na elaboração dessa metáfora, pressupondo a terra como mundo dos vivos e o paraíso como mundo dos mortos, a possível nova vida é o alicerce onde se funda o desejo. Por isso que este leitor adolescente, no confronto com os três estágios da "Divina Comédia", de Dante, achou por demais instigante a existência do purgatório, não por conta de purgar algum pecado, mas por ser morada de um desejo. Um desejo de alcançar o Paraíso. Por outro lado um desejo que não precisa ser realizado por conta da monotonia que lá existe.

Finalmente chega-se ao final da leitura desse livro de Henrique Figueiredo Carneiro com muitos questionamentos que dela emergiram. Afinal, com todos os inconvenientes de que o Paraíso possa ser possuidor, o nosso desejo se volta sempre para a busca de um paraíso perdido. Daí que a infância e o erotismo são objetos do nosso desejo. Os mitos que povoam nosso mundo simbólico são fórmulas que vamos criando para alcançarmos essa infância perdida ou alcançarmos a realização erótica como instauradoras de um paraíso que criamos com o nome de desejo, a verdadeira máquina que move o nosso mundo.


jbatista@unifor.br

26/10/10.

 

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