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O encanto radical de Barros Pinho

Batista de Lima


Seu nome completo: José Maria de Barros Pinho. Poderia ser, no entanto, Barros Pinho do Ceará, mesmo tendo nascido no Piauí, em 1939. As redes sociais podem ser a melhor fonte de pesquisa para que se conheçam sua história de vida e sua fortuna crítica. Isso porque sua obra literária, oscilando entre a poesia e o conto, tem marcado presença na literatura cearense, afinal, desde que chegou em nosso Estado, para estudos, que ele se tornou um cearense festejado na literatura e na política.

Politicamente, Barros Pinho foi de esquerda. A partir de 1964 foi perseguido pela repressão, mas manteve sua firmeza ideológica até quando faleceu, no primeiro semestre deste 2012. Sua atividade política, desde o tempo dos arroubos jovens, foi sempre marcada pelas posições firmes mas sem nunca perder uma certa ternura. Era um radicalismo encantador a tal ponto que o guindou a vereador de Fortaleza, a deputado estadual, chegando até a prefeito de Fortaleza. Sua filiação ao antigo MDB e depois PMDB o colocava naquela ala dos históricos militantes.

Essa militância política e sua trajetória literária não o afastaram de suas raízes sertanejas do Piauí. Suas narrativas, de cunho regionalista, põem a fazenda e seus viventes nas páginas dos livros como um resgate de um patrimônio memorial prestes a se perder. Quando escreveu "A viúva do vestido encarnado", retornou ao cenário da infância e refundou na escrita a fazenda e seus personagens. São histórias em que personagens simples do sertão criam vida e se contam com graça e delicadeza, no enfrentamento da página branca da própria história.

Barros Pinho, quando nos deixou, era o vice presidente da Academia Cearense de Letras e cotado para chegar à presidência no mandato seguinte. Desprovido de vaidades, não teve a preocupação de fazer festa pomposa na posse. Isso não o impediu de aos poucos ir tomando conta dos espaços que surgiram. Sem ganância, conseguia se sair das situações difíceis e a elas se impor, usando a gramática do afeto, a ternura dos sábios e a simplicidade dos santos. Era temente a Deus e amoroso com suas raízes.

Sua religiosidade transparecia principalmente no período natalino, quando, ano a ano, produzia um poema diferente sobre o nascimento de Cristo e o encaminhava a seus inumeráveis amigos. Por muitos anos recebi seus poemas. Acredito que, com tantos natais, com tantos poemas diferentes, seria capaz agora de se produzir uma coletânea, enfeixando todos eles, o que daria em alentado volume. São poemas marcados por uma singeleza impressionante. É tanto que no início de sua carreira consta como seu livro mais marcante, "Natal de barro lunar".

No gênero poético, no entanto, seu momento culminante foi o lançamento de seu livro de poemas "Setenta poemas para orvalhar o outono". É uma coletânea de textos poéticos de uma acentuada maturidade literária. O outono da vida é regado com imagens sazonadas captadas do seu universo telúrico. Poemas confessionais, cada verso fixa o homem a sua terra e põe também em evidência a consciência do amadurecimento físico. O corpo transfigura-se para projetar também a terra. As artérias ampliam-se nos riachos e no Parnaíba. Barros Pinho soube cantar tão bem a maturidade que seus poemas orvalharam seus dias e de seus leitores.

O mérito do poeta Barros Pinho e do político em que se tornou foi eliminar os limites entre Ceará e Piauí, entre poesia e narrativa, entre o rural onde nasceu e o urbano onde terminou seus dias. Foi um exemplo para todos nós que migramos do campo para a cidade sem romper o cordão umbilical que não deixa de nos ligar à terra onde se nasceu. O rio de águas nos leva mas nos traz. É esse retorno do filho pródigo que planta a paisagem da infância nos contrafortes do verso. Da Costa e Silva trouxe o som das moendas, rangendo no tempo; Barros Pinho esculpiu o vento, o relâmpago e o trovão com a argila da saudade.

Uma vertente da vida de Barros Pinho na sua trajetória altruísta pouco conhecida do público foi sua atuação como educador. O poeta chegou a ser proprietário do colégio Oliveira Paiva, que ficava próximo ao Liceu do Ceará, no bairro do Jacarecanga. Ali ele desenvolveu um aprendizado entre seus alunos em que a preocupação com o social era uma das conquistas. Acontece que o colégio da iniciativa privada precisava sobreviver com o pagamento das mensalidades por parte dos alunos. Barros Pinho, no entanto, na sua preocupação em acomodar qualquer estudante carente de conhecimentos, acolhia de forma gratuita, tantos alunos necessitados que seu empreendimento não pôde consolidar-se economicamente.

Essa sua coerência política fê-lo tomar atitudes éticas que muitas vezes o impediram de desfrutar de nepotismos e sinecuras. Até suas atitudes nos grupos literários de que participou eram de fidelidade a seus princípios. Episódio marcante desses seus posicionamentos ocorreu quando da decretação do AI-5, em dezembro de 1968. Na oportunidade Barros Pinho fazia parte do Grupo SIN de Literatura. Esse grupo era formado pelos pricipais escritores emergentes de Fortaleza. Havia nele escritores de esquerda, como era seu caso e o de Roberto Pontes e Pedro Lira. Quando chegou o momento de assinar o abaixoassinado contra a sensura, o grupo se dividiu porque alguns não queriam correr riscos. Barros Pinho foi o primeiro a se afastar do SIN. Por essa e por outras razões é que o admiramos sempre. E agora infelizmente, pela primeira vez depois de muitos anos, o correio não nos trará mais um inédito poema seu sobre o Natal.


jbatista@unifor.br

20/11/12.

 

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