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O diário de Sinó

Batista de Lima


Às vezes, quando você menos procura, termina por encontrar preciosidades. Um amontoado de livros usados, à venda numa calçada, pode reter, relegado ao quase desprezo, um exemplar raro que gostaríamos de ler. Foi assim que encontrei "Sinó Pinheiro - Diário", com prefácio de Pires Saboia. Como não há ficha catalográfica, é bom que se diga que há o nome da editora Fatorama, de Brasília, e o ano de publicação, 1998. O resto, só a leitura vai dar o rumo.

Sinobilino Pinheiro nasceu a nove de dezembro de 1916, na fazenda Carrapateira, município de Jaguaribe, estado do Ceará. Seus pais se chamavam Cesário José da Silva e Maria das Dores Pinheiro, os quais nunca lhe explicaram a razão de tão estranho nome. Daí o apelido Sinó. Depois de estudar em sua cidade de origem, no Colégio Ruy Barbosa, dirigido à época pelo Dr. Antônio Drumond de Aguiar, mudou-se para o Colégio Cearense, dos Irmãos Maristas, em Fortaleza. Foi nesse colégio onde estudou até ingressar na Faculdade de Direito.

Esse seu ingresso na Faculdade de Direito se deu em 1934. Acontece, entretanto, que logo em 1938, aos 22 anos, Sinó se dirigia para Mulungu, a passeio, e o carro em que viajava acidentou-se nas proximidades de Maranguape, ceifando-lhe a vida. Ao morrer, Sinó deixou um diário, escrito quando estava nos seus 18 e 19 anos, com a seguinte recomendação: "Quero mais uma vez afirmar que este caderno pertence, por morte minha, a José Pires de Saboia, meu amigo".

Esse diário passou impublicado por 60 anos em poder de José Pires Saboia que o levou a lume em 1998. Ele retrata exatamente os anos de 1935 e 1936 e, segundo Saboia, prefaciador e responsável pela edição em livro, Sinó registra nesse Diário "as suas atividades, inquietações, amores, algumas primorosas poesias e encantadoras mulheres que lhe embriagaram de amor o coração". Dessas mulheres o destaque fica por conta de Gasparina. Esse, o grande amor de Sinobilino, algo parecido com Eugênia Câmara, para Castro Alves.

Gasparina, linda mulher, fazia teatro, era excelente atriz. Sinobilino se moía de ciúmes por conta desse seu trabalho de palco. Amava-a tanto que fazia cartas, encerrando o namoro, mas não as enviava à namorada. Por outro lado recebia cartas amorosas de Gasparina. Esse conflito só encerrou por morte do poeta. São interessantes, pois, as referências a Carlos Câmara, às peças encenadas, aos teatros, em Fortaleza e no interior, mas principalmente ao ciúme que o atacava.

Apesar desse seu namoro com Gasparina e também com outras belas moças da época, Sinó se considerava muito feio. O único dos seus amigos que ele achava mais feio do que ele próprio era Adauto Gondim. Esses seus amigos não eram tantos, mas fieis em todas as horas. Eram Pires Saboia, Haroldo Torres, Orlando Mota, Antônio Teixeira Cavalcante, Carlos Pompeu, Abelardo Costa Lima e Adonias Mano de Carvalho. Ao longo do seu Diário, no entanto, outros amigos menos constantes e mais boêmios vão surgindo como Antônio Girão Barroso, José Magnivier, Mário Barata e Otacílio de Azevedo. Aliás, a este, Sinó dedica algumas páginas dos seus escritos, exaltando a sua grandiosidade poética.

Otacílio Azevedo tem tratamento especial no Diário de Sinó a ponto de ser tratado como "exímio aedo, criador de verdadeiros mimos metrificados e rimados, encerrando toda a grandeza de uma alma de artista, sofredora e heroica". No primeiro encontro entre os dois, com a presença de Waldemar Alves o poeta de "Carro de Boi" recitou "Flor de Maracujá" e "Cardo", inclusive com direito à transcrição de ambos no "Diário" em análise. Além de Otacílio, Sinó tinha uma admiração especial por Humberto de Campos e Coelho Neto.

Um dos temas, entretanto, mais cultivados no seu "Diário" está contido no pungente libelo sobre a morte que ele executa nas páginas 95, 96, 97 e 98. Até parece um prenúncio do que lhe viria a acontecer tão cedo na existência. Daí ele afirmar, ao sentir a morte rondando suas proximidades, sem dizer a quem procurava: "se for eu o contemplado da morte, com que cara ficareis vós, meus amigos, e com que cara estarei eu, depois de morto, num caixão sem o aparato burguês?". Essa presença da morte vez por outra aparece ao longo do livro.

O "Diário de Sinó" se torna interessante e curioso porque foi escrito entre os 18 e 19 anos de um jovem poeta que só chegou a durar até os 22, assim como os poetas byronianos. Seus escritos levam à conclusão de que seu comportamento era de alguém que queria tirar tudo da vida como que diante de uma desconfiança de que ela estava se esvaindo. Depois há o seu namoro com Fortaleza, uma cidade romântica, pintada com ternura por alguém que não teve tempo suficiente para curtir esse encantamento.


jbatista@unifor.br

25/10/11.

 

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