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O desassossego de Carlos Gondim

Batista de Lima


Carlos Gondim foi um poeta incomodado com o que a vida lhe reservou. Homicida, cumpriu pena por bastante tempo pelo crime que cometeu. Salvou-se, redimindo-se pela catarse que exercitou ao escrever seu belo livro “Poemas do Cárcere”, de 1923. Antes já havia publicado “Tortura de artista”, de 1915. Foi seu livro produzido a partir do recolhimento do cárcere que mais pungente apresentou-se o seu viver. Isso fez com que muitos escritores se manifestassem favoráveis a sua escrita. Entre tantos podemos citar Martins Filho, José Valdo Ribeiro Ramos, Elias Mallmann, Rubens Falcão, Mário Linhares, Gilberto Câmara, Sydney Neto, Clovis Monteiro, Sânzio de Azevedo, Carlos Augusto Viana e Padre Marcílio Jerônimo Pereira.

Esse poeta desassossegado nasceu em 1886 na cidade de Aratuba, aqui no Ceará. Transferindo-se para Fortaleza, viveu tempos de incorrigível boemia até apaixonar-se, casar-se e ter filhos. Veio então mais uma desdita em sua vida, sua mulher, seu grande amor, faleceu. Veio também seu terceiro e último livro, “Ânsia revél”. É um livro que mescla o canto de saudade da mulher amada com as desventuras da vida e alguns louvores à natureza. Todos os poemas são trabalhados com refinada técnica. Seus sonetos alexandrinos, principalmente os que vêm com rimas ABBA ABBA CDC DCD, são primores de métrica.

O canto à mulher amada traz lembranças do idílio dos amantes como celebração completa: “Tendo teu amor – tinha tudo na vida”. Essa parte do livro é a mais tocante, porque relembra os momentos de placidez de sua vida tão atribulada, com o título geral de “Poemas de Saudade”. No mais amoroso e pacífico momento de sua vida, a mulher amada morreu. Daí o oferecimento dessa parte do livro: “À morta amada, que foi a mãe de meus filhos e a suave luz nas trevas da minha desdita”. No seu belo soneto decassilábico “Canto do cysne” ele compõe seu primeiro quarteto: “Depois de tanto anseio, nada resta / Ao meu desiludido coração, / Que dantes fora roseiral em festa / E é um cemitério de recordação!” A partir de então sua vida boêmia perdeu o tino.

Mesmo diante de tanta desventura, ele canta também a natureza. Daí, os poemas: “O Amazonas”, “Oceano Atlântico”, “A uma cigarra”, “A garça”, “O condor” e “O Sapo”. O Amazonas é o “Átila dos Andes”, devido seu infernal rugido. O Oceano Atlântico “Recorda o Luso audaz aventurando as velas”. A cigarra é uma “boêmia erradia”. Ao pé do ermo, a garça sonha, um sonho muito parecido com do sapo que contempla em silêncio a esfera iluminada de um céu estrelado com uma lua triste. Enquanto isso, o condor mira o abismo escancarado num olhar inverso ao dos outros bichos.

As desventuras da vida são mais explicitadas no seu livro “Poemas do cárcere”. Entretanto, nesse “Ânsia revél”, essas desventuras ainda aparecem na sua poética. No seu poema “Solilóquio de um Scéptico”, ele confessa: “Ouço o estranho fragor de um mundo que desaba”. Parece até o prenúncio de seu fim que se aproximava. Chega até a desejar o desfecho fatal: “Leva-me Augusta Morte, em teu seio potente, / Para o sono final, no leito tumular… / Sonhei, demais sonhei… Hoje, quero, somente, / Para sempre dormir… e nunca mais sonhar!”

Por fim, é louvável a iniciativa do Doutor Lúcio Alcântara em reeditar esse livro de Carlos Gondim. Secundado pelo apoio do Padre Marcílio, essa promoção literária resgata um poeta de verso clássico, praticamente esquecido pelos seus conterrâneos. Esse esquecimento é mais uma desdita desse poeta que só parou de sofrer quando em 1930 foi assassinado misteriosamente em Porangabuçu. Assim como esse crime nunca foi desvendado, sua genialidade autodidata ainda permanece aberta a muitas interpretações.


jbatista@unifor.br.

31/12/19.

 

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