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O desaguadouro de Ireleno

Batista de Lima


Ireleno Benevides fez seu doutorado na USP, Universidade de São Paulo, e hoje é Professor Associado da UFC, Universidade Federal do Ceará, lotado na Faculdade de Economia. É um pesquisador, tendo bastante produção científica na sua área de docência. Interessante é que Ireleno também tem produzido livros de poemas, tendo como destaque seu "Lavraturas do Corpo". Sua mais recente produção poética é de 2015 e traz o título "Desaguadouro de (im) permanências".

Além das duas coletâneas poéticas citadas, esse poeta publicou também, tempos atrás, "Construção quotidiana" e "Itinerário do exílio e da comunhão". A partir dessa bagagem de quatro livros de poemas, já se pode traçar um perfil poético de Ireleno Benevides. É evidente que sua atuação no mundo acadêmico o coloca mais ligado à racionalidade da pesquisa científica. Prova disso é que no seu perfil biográfico, posto nas orelhas dessa sua coletânea poética, o que mais aparece é sua performance no mundo das Ciências Econômicas. Daí ser necessário uma leitura completa dos poemas para avaliação de sua poética.

Antes, porém, paira a indagação, para o leitor, de como convivem essas duas facetas de uma mesma personalidade. De um lado um cientista formal delimitado por regras da elaboração ensaística, e de outro o poeta que mergulha nas subjetividades da criação literária. No dizer de Bachelard, é a convivência difícil do homem diurno, cientista, com o homem noturno, o poeta. Até poderia ser possível no caso de um sonetista bem parnasiano que vivesse medindo versos e procurando rimas. Ireleno, no entanto, não é sonetista, trabalha na sua poesia muito mais com as inspirações que a contemporaneidade ainda nos permite cultivar.

Por conta disso é que sua poesia lhe serve também de inspiração. É uma criação que vai se construindo de forma que o criador vai se narcisando do que vai deixando elaborado. Por isso que a culminância de seu livro está no final. Diferentemente da maioria dos poetas, que começam seus livros com seus melhores poemas, nosso poeta em estudo age contrariamente. Além de se mostrar mais consistente no coroamento da coletânea, é na parte final em que mais aflora o erotismo.

Portanto é um livro cuja leitura, se começada de trás para a frente possa se tornar bem mais interessante.

Se o leitor preferir a leitura tradicional, princípio, meio e fim, vai ser fácil entender o desaguadouro no nível significante, comportado. Vai sentir a progressão erótica que parte do homem construtor até desaguar no seu momento poético em que aflora uma condição feminina. Esse caminho sem curva pode se tornar rotineiro e cansativo. Entretanto se a leitura começar pelo paroxismo do último poema, como caminhada de um presente para uma memória, as curvas desse transitar compelem o leitor à condição de reescritor da viagem. O mergulho que se opera nesse movimento é que revela a verdadeira fala ireleniana.

Essa fala não é calculada, o que faz do poeta mais anarquista que economista. Seu livro não traz um índice para que o leitor localize os poemas. Também, quando escolheu os comentaristas sobre o livro, colocou seu filho e uma ex-aluna. Era de se esperar uns comentários encomiásticos e impressionistas a respeito do seu livro. Acontece que essa Antonica Josefa Pintassilgo construiu um precioso ensaio sobre o livro e o autor, demonstrando ser uma consciente e fundamentada crítica literária. Ela vai de Octávio Paz a Diogo Fontenele como referenciais teóricos. Perfeitas suas alusões a Dioguinho, um imenso poeta ainda não valorizado como merece.

É, entretanto, Pablo Severiano Benevides quem prospecta, no desaguadouro e na ruminação de Ireleno, a tensão crescente para a leitura do princípio para o fim da coletânea. Ireleno Benevides é triádico, atira no referente e acerta no leitor. No seu retorno, rompe as fronteiras e deixa uma terra arrasada para que o leitor ordene a desordem provocada pelos seus enigmas. Seu manifesto líquido, poetizado, abre as portas de um paraíso, Nirvana, em que Nivardo e Ana repovoam a paisagem pós- apocalíptica. Nesse dilúvio ele resulta dizendo: "Nadei, nadei, nadei / E tudo em nada deu".

Finalmente é bom reiterar que a leitura desse livro de Ireleno Benevides precisa se operar como uma imersão. Imagine-se, portanto, que o real metonímico esteja no último verso do livro: "E reterei tua semente germinando-se em arbusto dentro de mim". A partir daí é ir alçando o percurso em busca da superfície inicial em que se alojam as metáforas. Cada uma que for surgindo trará um DNA do que se alojou na estrutura profunda. O corpo poético em Ireleno realça um eu lírico promotor de uma catarse que incomoda o leitor que se arriscou em sujar-se de sua subjetividade. FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 20/03/2018.

 

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