top of page
  • Foto do escritorBatista de Lima

O cronista Eduardo Campos

Batista de Lima


Eduardo Campos, um dos mentores do Grupo Clã, foi um polígrafo. Deixou-nos uma obra multifacetada e telúrica. Retratou coisas e costumes do Ceará. Militou do teatro à crônica, do jornalismo à pesquisa. Por isso que se faz necessário um retorno à produção literária que nos legou ao longo de décadas de estudos e criações. Nascido em 1923, morreu em 2007. Nos seus 84 anos de vida, viu sua Fortaleza e o resto do Ceará passarem por profundas transformações. Para estar antenado com o mundo, basta dizer que foi presidente, no Ceará, do conjunto dos veículos de comunicação dos Diários Associados.

Esse escritor, quando visitado pelos críticos, tem recebido louvores com relação à sua produção em contos. Poucos se atêm às suas incursões pelos terrenos da crônica. Até parece que poucos leram “O pouso da águia”, sua publicação do ano 2000, editada pelo Programa Editorial Casa de José de Alencar, da Universidade Federal do Ceará. Esse título do livro é o mesmo que dá nome a sua crônica principal, tratando de fato ocorrido em Camocim, no dia 19 de dezembro de 1922, às 12h 25 min, quando o hidroavião “Sampaio Correia II” tocou a água, pousando deslizante no porto daquela cidade. Esse acontecimento talvez tenha se configurado como a maior festa acontecida naquele lugar. Pinto Martins, filho querido, visitava sua terra no célebre vôo Nova York / Rio de Janeiro.

Um outro texto dessa coletânia traz o título “O último romântico” e trata do escritor Sinobilino Pinheiro. Sinó, como era chamado, era poeta já conhecido e admirado na cidade de Fortaleza. Acontece que aos vinte anos, numa viagem que fazia a Maranguape, morreu em um acidente de automóvel. A notícia abalou a cidade Capital do Ceará. É em torno desse poeta que Eduardo Campos elabora um perfil, já que o conheceu em nossa cidade, até o infausto acontecimento, em 1938. Esse texto traz poemas de Sinó Pinheiro e descreve sua grande paixão, nunca efetivada, por Gasparina Germano, moça belíssima de Fortaleza, que trabalhava em teatro. Sinó se dilacerava de ciúmes quando a via encenando com outros rapazes.

Entre as doze crônicas desta coletânea, merece destaque “Caldeirão, subsídios à redefinição de sua história”. É que o autor questiona os dados estatísticos que margeiam essa tragédia, que culminou com a destruição daquele arraial de romeiros liderados pelo beato José Lourenço. Fala-se de 200, 400, 600 e até de 1.000 mortos no massacre. É tanto que já há razoável bibliografia sobre o assunto sem que se chegue a uma narrativa definitiva. Um dos motivos fica por conta dos escritos primeiros sobre o assunto terem trazido informações dos atacantes destruidores. Por ouro lado, os pesquisadores que entrevistaram sobreviventes encontraram depoimentos que se contradizem, o que provoca ainda dúvidas sobre o tema.

Na crônica “O tom forçado do recrutamento”, Eduardo Campos nos transporta para o interior do Ceará por ocasião de guerras e revoluções. É então que ele descreve as formas arbitrárias como eram recrutados os jovens que teriam que compor a Força Pública. Talvez o pior momento desse fenômeno tenha acorrido por ocasião da Guerra do Paraguai. Muitos eram arrancados do convívio com a família e mandados para os campos de guerra sem critério de escolha para a luta. Então o retorno era uma incógnita. Por isso que, em alguns casos, o recrutado fugia para as florestas e só aparecia muito tempo depois para o aconchego familiar.

As crônicas restantes tratam de assuntos locais como “A sociedade dos caixeiros e a revista “Phenix”. A Phenix Caixeral foi instituição de ensino em nossa Capital. Também quando fala sobre “O inspirado decifrador de ruas”, vem à tona o romancista Fran Martins, tão bom escritor e tão pouco lido. Suas temáticas caririense entre fanatismo, cangaço e infância são um estímulo à leitura. Assim, ainda pode-se ler seu trabalho sobre medicina popular e suas memórias sobre Pacatuba. Importante, ao final, é constatar que o Eduardo Campos cronista soube fazer muito bem a literatura do jornal e o jornalismo da literatura.


jbatista@unifor.br.

17/09/19.

 

3 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comments


bottom of page