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O Ceará no Acre

Batista de Lima


Acre é quase um anagrama completo de Ceará. Começa aí a aproximação desses dois estados brasileiros, apesar de que uma viagem de Fortaleza a Rio Branco, no começo do século passado, de embarcação, demorava mais de quarenta dias. Mesmo assim a ocupação e a conquista daquele atual estado foram feitas por cearenses. Foram cearenses que se deslocaram para aquela floresta para a extração da borracha e por lá foram ficando e criando raízes. Foram esses destemidos conterrâneos que lutaram contra os bolivianos e em 1903 conquistaram a sua anexação ao Brasil.

Para entender bem o que aconteceu naquelas distantes florestas é bom que se leia "A conquista do Acre", de Pimentel Gomes. É um romance histórico em que realidade e ficção se dão as mãos. Essa segunda edição foi confeccionada pela Expressão Gráfica e Editora em 2005. São 267 páginas em que as portas do Acre são abertas para a recepção do leitor sob o olhar previdente da floresta. Com ilustrações de Descartes Gadelha, revisão do professor Vicente Maia, a organização ficou com a professora Ada Pimentel Gomes Fernandes Vieira. Com essas companhias podemos ingressar despreocupados na floresta do texto.

Primeiramente é bom saber que o autor, nascido em Sobral em 1900, veio ao mundo exatamente quando eclodia naquela região os episódios guerreiros entre brasileiros e bolivianos. Também merece registro o fato de que sua formatura como Engenheiro Agrônomo, na Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz", de Piracicaba (SP) se deu em 1922. Seu conhecimento da vida acreana do começo do século deu-se a partir de 1942, quando foi dirigir o Departamento da Produção do Território do Acre. Foi daí que começou a escrever a saga dos cearenses que por lá habitavam.

O romance se inicia na Meruoca, uma serra vizinha a Sobral, e termina no Acre após a conquista do território pelos particulares cearenses que lá trabalhavam na exploração da borracha. O governo brasileiro não prestou ajuda aos conquistadores o que tornou a luta mais difícil e maior o número de vidas ceifadas. Só após a vitória dos conterrâneos foi que o governo brasileiro encarregou o Barão do Rio Branco de mediar junto aos bolivianos o famoso Tratado de Petrópolis que anexava oficialmente a região ao Brasil como Território do Acre.

Como o romance é histórico muitos dos personagens são reais, como também as datas dos principais acontecimentos. O personagem real mais emblemático é o comandante Plácido de Castro, líder dos brasileiros na difícil conquista. Era um agrimensor, nascido no Rio Grande do Sul, e como aluno que fora da Escola Militar de Porto Alegre, era entendedor de assuntos militares. Também muitas datas coincidem com os registros históricos, sendo a principal delas o dia 17 de novembro de 1903, quando no Rio de Janeiro foi assinado o Tratado de Petrópolis, incorporando o Acre ao Brasil.

Esse romance de Pimentel Gomes toma um aspecto antropológico pelos estudos que desenvolve além do fio narrativo. Ele descreve a terra amazônica com a curiosidade que lhe é peculiar como agrônomo pesquisador. Há uma preocupação sua em nominar as principais árvores da floresta amazônica, bem como descrever os rios que cortam a mata. Ele chega a citar a largura e a profundidade de cada um por onde passa. Depois enfatiza o fato de que as vias de comunicação daquelas terras estão vinculadas à dinâmica das águas. É um mundo primitivo coberto de árvores e águas.

Esse cenário de natureza primitiva é palmilhado principalmente por exploradores da borracha. São seringueiros, quase todos de origem cearense, que se misturam com aventureiros de várias partes do mundo que ali estão com suas espertezas para comercializar o que a floresta pode lhes dar. São comerciantes gregos, sírios, libaneses, portugueses, espanhóis e italianos. Por isso que o movimento de navegação pelos rios é intenso, trazendo mercadorias e voltando com borracha. Não se pode esquecer também a presença do índio, principalmente em terras mais próximas da Bolívia. A população daquelas terras compõe-se na sua grande maioria de homens solitários, casados com a floresta. Mulher é algo raro e muito disputado quando aparece por lá.

A parte mais emocionante do livro fica por conta da luta entre acreanos e bolivianos. A floresta, as águas e as chuvas são empecilhos à locomoção dos litigantes. Por isso que as trincheiras são meios de proteção dos povoados e dos grandes seringais. É uma revolução entre brasileiros que conhecem bem o campo de batalha e os bolivianos vindos pela primeira vez para o cenário de luta, e vindo de muito longe. Daí que os brasileiros vão a cada batalha, levando vantagem, mesmo não sendo tão bem treinados como os bolivianos e muitas vezes estando em número menor de combatentes. O governo boliviano dava apoio aos seus soldados; o brasileiro, não.

Quatro décadas após a revolução acreana, Pimentel Gomes estava no Acre como Diretor do Departamento da Produção do Território. Na ocasião manteve contato com antigos combatentes das batalhas da conquista. Ali, teve acesso à documentação comprobatória de toda a campanha. A partir daí escreveu o seu romance histórico, mantendo na saga muitos personagens reais como Plácido de Castro, comandante dos brasileiros; General Pando, Presidente da Bolívia e Barão do Rio Branco, ministro das Relações Exteriores do Brasil. Também muitos outros combatentes são reais e com um percentual superior de cearenses. Quanto à parte ficcional, seu personagem principal é sobralense, o que configura uma homenagem à sua terra, mas na realidade o herói sobralense da história é o próprio Pimentel Gomes que foi resgatar toda essa saga que engrandeceu a história do Brasil e ampliou nossas fronteiras.


FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 10/04/12.


 

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