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  • Foto do escritorBatista de Lima

O candidato

Batista de Lima


Macabeu vestiu uma cotoronga, depois esparramou-se numa fianga à espera do moca fumegante que Abigail traria para seu refestelo. Nesse ínterim entra de inopino na alcova do casal, o compadre Noca, trazendo entre os dedos um pacote de prospectos do candidato do patrão. O homem é deputado e quer redeputar-se. O vizinho trazia numa mucuta, enrolada em papel celofane, uma dentadura de oito dentes do beiço superior, para a comadre fazer a experimentação. Trazia também no mesmo saco, um isqueiro sete lapadas para o compadre trocar pelo corrimboque. Era tudo prenda do candidato em agradecimento antecipado.

Avisou aos presentes que no dia seguinte, ao quebrar da barra, fosse morto um capão para o dente do candidato que passaria bem cedo por ali para conhecimento dos votantes. E assim foi feito. Mas já passava das onze quando o homem apareceu todo lustroso, mostrando o ciso até pros animais do terreiro. Estirou a mão perfumada para o dono da casa e não disse palavra. Estava com um troço no ouvido parecido com rádio de pilha enquanto falava gritando. Amolegou as bochechas da dona da casa já em uso de dente novo, beijou as crianças e partiu na poeira que o trouxe.

A eleição passou e chegou a notícia de que o homem não fora reeleito. Poucos dias depois o protecto da vila manda bilhete manuscrito em letra desaforada, pedindo pagamento pelos dentes novos de D. Abigail, guardados em copo com água para uso na festa do padroeiro. Como não tinha dinheiro para o pagamento e sendo gente das mais honestas, D. Abigail embrulhou de novo a dentadura no mesmo papel e mandou de volta pelo cobrador. Quanto ao isqueiro, Macabeu, prevenido, tirou do uso, botou na caixa em que veio, para a devolução, e voltou ao corrimboque.

O capão, no entanto, havia morrido de véspera, para o dente do candidato que nem entrou na choça. A família comeu as partes boas e os vizinhos, asas e pés. Mas Dona Abigail queria paga pelo bicho de pena. Não adiantaram os argumentos de Macabeu. A mulher queria porque queria o dinheiro do seu capão preferido. O bichinho vinha sendo cevado há tempos pelo zelo da mulher. Primeiro mandara dona Idalina fazer o frango, obedecendo a lua certa. Viera a velha com sua faquinha de apanhar arroz, tirou os possuídos do frango, depois costurou com linha de coser. Não esquecera, ao final, de jogar cinza do borralho no ferimento provocado. Tudo fora feito com cuidado três meses antes do Natal. Afinal frango era peru de pobre. Mas fora enganada pelo esperto candidato e queria reparação.

Foi daí que Macabeu botou sua lambedeira de cabo de embuá do lado esquerdo das costelas e ainda acrescentou o quicé de picar fumo no escondido do bornal. Dirigiu-se à casa do candidato perdedor, entrou de porta a dentro, sem pedir licença, foi ao chiqueiro dos capões, tirou o maior deles, saiu de porta a fora e rumou para casa. O político desvotado sentado estava e sentado ficou. Acompanhou a cena toda sem dizer palavra, e coragem não teve de dar parte ao cabo Zezinho, delegado do lugar. Em Sipaúbas as coisas acontecem assim.


FONTE: Diário do Nordeste - 01/11/2018.


 

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