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  • Foto do escritorBatista de Lima

O cajueiro enlutado

Batista de Lima




A rua José Alves Cavalcante, na Cidade dos Funcionários, possui um trecho que vai da José Leon à Desembargador Gonzaga, que é uma avenida. São cinco quarteiros asfaltados com duas mãos separadas por um canteiro de 252 plantas já contadas e recontadas pelos moradores. É tanto que veio uma equipe de televisão, com um fotógrafo, e fez um levantamento das árvores do citado trecho. Depois foi declarado, entre as cinco mais arborizados de Fortaleza, que hoje conta aproximadamente com 4.500 ruas em seu território urbano. Foi, portanto, um orgulho para os moradores saberem-se habitantes dali.

Entre as plantas ali cultivadas destacam-se uma mangueira e um cajueiro. A mangueira tem uma produção temporã e possui um tronco tão liso que dificulta a subida de algum aventureiro em busca das mangas. Já o cajueiro possui um tronco marcado por tortuosidades que qualquer pessoa pode escalá-lo sem dificuldades. Além dessa facilidade de acesso aos seus galhos, há o fato de que produzia cajus o ano inteiro. Era como aquele cajueiro histórico da Praça do Ferreira, no Centro, que era apelidado de cajueiro botador em tempos antigos. No caso de nossa rua, o cajueiro botava um caju por dia, digo, por noite, mas valia por uma safra por causa do tamanho e da doçura.

Pelo menos umas cinquenta pessoas da rua e da vizinhança fazem "cooper" matinal ao longo da avenida. Muitos já provaram dos cajus amadurecidos durante a noite. Como era apenas um que aparecia a cada amanhecer, havia uma verdadeira disputa pelo saboroso e enorme fruto. Já havia quem chegasse pelas quatro horas da manhã com a ânsia da colheita do precioso fruto. Houve quem fizesse até doce com apenas um caju, quem usou para tira-gosto e quem utilizou para suco ou simplesmente para chupá-los. As castanhas, de tão grandes, já foram assadas e até plantadas em canteiros particulares para a reprodução do cajueiro amado.

Pois foi o cidadão Marcos Madeira quem no quintal de casa soterrou uma castanha de onde brotou exuberante filhote do cajueiro. Quando a notícia do parto da castanha correu entre os coopistas, houve quem sugerisse que o pequeno cajueiro fosse transplantado para uma cova vazia próxima de onde vicejava seu pai, o cajueiro botador. Daí que numa manhã nublada o cajueirinho mudou de casa, vindo morar solenemente às vistas de seu pai. Ganhou adubo especial e este escriba encarregou-se da sua rega por morar em frente. Daí que todas as manhãs uma pet de água vinha molhar os pés do pequeno cajueiro. Ao lado, seu pai, o botador, deu para botar mais de um caju por manhã, tanta foi sua felicidade da companhia do filho.

O pequeno cajueiro adolesceu e teve necessidade de receber alimentação suplementar, o que foi de pronto atendido, com porções de adubo orgânico para fortalecer sua musculatura, gentileza do especialista José Holanda. Todos que passavam no seu entorno faziam reverência a sua exuberante folhagem e cantavam loas a seu vigor. Como toda regra tem exceção, certa manhã de nuvens densas deu-se pelo desaparecimento da pequena árvore. Os primeiros chegantes à rua foram se aglomerando e lamentando o sequestro ou talvez a morte da inocente planta. Ali estava apenas a fenda de onde a vítima foi extirpada. Não se sabe o motivo de tão perverso crime perpetrado contra tão inocente e amada árvore.

Diante do desaparecimento da estimada planta, muitas pistas foram levantadas para se chegar a sua recuperação. Todas deram em nada, de onde se conclui que o crime foi praticado por profissionais. Todos ainda sentem a falta da árvore criança, mas o sentimento maior tem sido demonstrado pelo cajueiro pai. Logo após o infausto acontecimento, suas flores caíram. Pela primeira vez os cajus não vingaram mais. As manhãs não são mais adocicadas pelos seus frutos. Sua dor de pai, que perdeu o filho, só faz aumentar, quando seu olhar não encontra o cajueirinho que crescia a sua vista. O cajueiro botador se transformou numa triste árvore enlutada.

Os moradores da rua já usaram até as redes sociais na tentativa de localizar o arboricida. O apelo é no sentido de que, estando vivo, replantado em algum viveiro, que a pequena planta seja devolvida, para a salvação de seu pai cajueiro. Afinal, o luto que o cajueiro pai vem curtindo, de tanto se prolongar e aumentar virou melancolia. É tanto que já há pessoas sugerindo a convocação de um terapeuta de plantas para tentar, através da fala do cajueiro, chegar à real dimensão traumática que tanto o abate, para no percurso entre a metáfora do desencanto à metonímia da lesão, tentar trazer de volta a vida à árvore.

Apesar de tudo isso, a suspeita maior é de que tenha havido um arboricídio e que o criminoso continue impune perpetrando outros crimes de lesa flora. Que esse doidivanas se compunja do crime praticado e se entregue na chefatura de polícia do bairro e que purgue seu pecado entre as grades daquele calabouço. A população espera por justiça e ao mesmo tempo averígua se algum morador guardou alguma castanha como lembrança dos tempos felizes do cajueiro. Pois se for encontrada alguma, será plantada e cercada de forte cerca para ver se vinga. Isso tudo para lenitido da grande dor que sente o pai cajueiro que chora grossas resinas pelo seu tronco, que é como choram as plantas melancólicas.


FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 11/04/2017.


 

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