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O ano da morte de Coelho Neto

Batista de Lima


Dizem os livros que foi 1934, o ano da morte de Coelho Neto. Entretanto, para quem escreveu mais de uma centena de livros, em 70 anos de vida, e foi um dos escritores mais lidos de seu tempo, sendo hoje quase que totalmente esquecido, a morte vem acontecendo a cada ano. Isso porque as novas gerações não o leem, as editoras não o reeditam e os pesquisadores não o estudam. E é porque se afirma por aí que em termos de quantidade, ele está em primeiro lugar no Brasil, em livros publicados, seguido de perto por Gustavo Barroso. Também há o fato de que algumas das suas obras são antológicas em variados gêneros literários. Mas, o que acontece com esse brilhante cronista da passagem de século XIX para o XX?

Henrique Maximiano Coelho Neto veio ao mundo em 21 de fevereiro de 1864, em Caxias, no Maranhão. Ficou no Maranhão apenas até aos seis anos de idade, transferindo-se com a família, em definitivo para o Rio de Janeiro. Estudou no Colégio São Bento e no Pedro II, chegando a iniciar o curso de Direito em São Paulo, depois em Recife, mas nunca o concluiu. Foi abolicionista e republicano. Chegou a ser professor do próprio Colégio Pedro II e foi deputado por três mandatos. Seu destaque, no entanto, foi na literatura.

Deixou 112 obras publicadas, cinco dezenas de peças teatrais, afora obras inéditas. Editava mais de uma obra por ano, de uma literatura de boa qualidade mas muito comprometida com o tempo em que viveu. Foi, pois, o cronista de uma Belle Époque carioca que se desgastou até fenecer com os arroubos modernistas que iam surgindo. Era um escritor que primava pela ornamentação, com laivos impressionistas em um momento em que vingava uma literatura de cunho sociológico que teria como culminância a geração do Romance de 30.

Coelho Neto foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras, chegando a ser presidente daquele sodalício. Escreveu romances, crônicas, contos, poesia, teatro, memórias e livros didáticos. Sempre gostou de uma linguagem rebuscada, voltada para um certo passadismo, repudiado pelos modernistas de primeira viagem. Entretanto, gerações se deliciaram com seus escritos sempre marcando presença nos livros didáticos da primeira metade do século XX. Prova disso é que na Crestomatia, de Rodagásio Taborda, importantíssima antologia didática, ele comparece com 8 textos de belíssima feitura, alguns até decorados por seus leitores fiéis.

Quanta sabedoria fluía do texto narrativo "O tempo", da página 9. "A flauta e o sabiá", da página 13, era interpretado de cor pelos alunos mais destacados. Em "Os três grãos de milho", página 18, transbordavam lições de economia, humildade e perseverança. "Pátria nova", página 29, só tinha parelha nos escritos de Rui Barbosa, na mesma antologia, em termos de formação cidadã. "O recruta", página 48, o mais longo deles, jamais cansava seus leitores estudantes. "As formigas", na página 55, traz lições de persistência e união no trabalho. Na página 129, "Na mata", trazia exemplo de como se elaborar uma descrição. Ainda na "Crestomatia" vinha seu texto "A primeira missa", na página 210, escrito com tanta mestria que dava a impressão de que Coelho Neto estivera presente àquela celebração no Monte Pascoal, servindo de acólito ao Frei Henrique, seu celebrante.

Esse ostracismo a que vem sendo lançado tão profícuo escritor é justificado por alguns estudiosos com as mais diversas justificativas. Uns acham que ele escreveu diretamente para uma geração de leitores arcaicos, bem nascidos, com raízes na República Velha, ou nos estertores do Império conservador. Outros acham-no esnobe o professoral no seu tom comunicativo. Fato é que, no momento, ninguém o encontra nos livros didáticos, o que contribui para sua queda no esquecimento.

Esse fenômeno, no entanto, não diz respeito somente a Coelho Neto. Exemplo é Humberto de Campos, também vítima do desprezo no momento educacional. As provas do ENEM trazem tiradas de algo atual, até letras de músicas, mas esquecem esses dois escritores, e mais: Gustavo Barroso, Marques Rebelo, Campos de Carvalho, Otávio Faria, Paulo Setúbal, Olavo Rilac, Viriato Corrêa, Graça Aranha, Medeiros de Albuquerque e outros.

Finalmente, pode ser, o exemplo de Coelho Neto, fonte para análise de estudiosos atuais, o caso de um escritor de tanta qualidade cair no esquecimento, enquanto outros menos cotados perduram no tempo. A que se atribui esse fenômeno? Respostas a essa pergunta devem preocupar escritores atuais que produzem boa literatura e em grande quantidade, mas não se tem certeza se serão lembrados daqui a cinquenta anos. Coelho Neto quando morreu em 1934, ainda era estudado no Brasil inteiro, mesmo acossado pelos iconoclastas modernos, mas a partir de então, foi sendo ocultado nas estantes das bibliotecas e expurgado das livrarias, comprovando que cada ano que passa é mais um ano de sua morte.


FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 03/02/15.


 

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