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O amor nos tempos da Internet

Batista de Lima




Safira é casada e mãe de dois filhos. Começa a se corresponder com o aventureiro internauta Pedro Pantoja. Ela mora em Recife; ele, em Fortaleza. Programam uma viagem de turismo à Europa. Na companhia dos dois vai o cidadão Estrada, o narrador, amigo de Pantoja, em turismo cultural. Visitam Veneza, Florença, Roma, Atenas e Milão. O narrador, além de anotar todos os detalhes de monumentos históricos, tem que ficar "segurando vela" do casal em permanente idílio amoroso. O amor entre os dois é tão vulnerável que logo no início da jornada já entra em crise.

O narrador se esmera nos detalhes históricos, colocando em segundo plano os conflitos entre o casal inicial e o surgimento de Ocella, uma ex-noiva de Pantoja, italiana que o espera em Roma. O que poderia parecer um grande problema entre as duas mulheres e o amante de ambas, tudo termina suavemente, tão liquidamente como coisas de internet. O destaque não é o enredo, mas as descrições dos ambientes. Daí que não há metaforizações explícitas. Talvez pelo fato de que o narrador, que pouco narra, muito anota, numa verdadeira aula sobre tudo que vai observando.

A estada em Veneza se configura um momento de intertextualidade de "Morte em Veneza", de Thomas Mann. Enquanto a cidade morre é exatamente lá em que se exaure o efêmero amor de Pantoja e Safira. Então transparece uma crítica do narrador à fragilidade das relações afetivas entre internautas. São relações que se dissolvem no ar com a mesma facilidade como começam. É nesse momento que entra em vigor a mestria do autor, Pádua Lopes, que demonstra profundos conhecimentos históricos e artísticos de todo o patrimônio cultural não só da cidade, bem como das outras que vem a visitar.

O autor coloca como título do livro, "Safira não é flor", e edita pelo Expressão Gráfica e Editora neste 2016. Nas 278 páginas, o destaque não é Safira. É, sim, o narrador, que aparecendo em primeira pessoa, é o destaque do livro, e que o leitor presume ser o próprio Pádua Lopes. Isso porque são vastos os conhecimentos da história que ele demonstra, comprovando ser essa, uma viagem de uma série de outras que já foram feitas. Há um roteiro da viagem que é desenvolvido como resultado de outras visitas e da leitura de clássicos das literaturas grega e romana.

Depois de Veneza vem Florença, e Pádua Lopes, como jurista de destaque, mostra seus conhecimentos de Ciência Política, na abordagem do que foi e produziu Maquiavel. Por outro lado, o abandono da cidade com relação ao seu patrimônio histórico se torna alvo de suas críticas. Quando chegam a Roma, as críticas, apesar de menos intensas, ainda permanecem. Estrada, como personagem narrador, vai conquistando o leitor. Safira, Pantoja e Ocella são apenas comuns, triviais, no mundo da virtualidade, e os turistas brasileiros que por lá são encontrados entram na mesma classificação.

As observações descritivas e históricas fazem com que o livro oscile entre romance, como consta na ficha catalográfica, e livro de viagens, como demonstra o narrador, com muito penhor por conhecimentos de arte e história. Já com relação às práticas do trio nas relações amorosas, sobressai uma moral como prática de uma ética que não é do narrador, e que por ele é criticada. Implícita está a todo momento uma visão crítica dos laços afetivos que se entrelaçam pelas redes. É bem verdade que o tempo é um pouco recuado para a passagem do século XX para XXI, mas o que naquele tempo aconteceu, repete-se nos dias atuais.

A viagem a Atenas faz com que se conclua que Estrada foi a outro lugar. Aliás, a cada mudança de cidade, o narrador vai a um lugar diferente, mas os outros três personagens, presumíveis instauradores do triângulo amoroso, vão ao mesmo lugar. O que Pantoja, Safira e Ocella procuram está em qualquer lugar, não é o caso de Estrada. É com Estrada, portanto, que se realiza o atrativo do livro. Dá até a impressão de que Pádua Lopes fez toda uma leitura dos grandes romances do cristianismo e que tenha lido Suetônio, Tito Lívio, Virgílio, Horácio e Homero. É aí onde se salva a narrativa.

A vantagem de ler "Safira não é flor" está no fato de o leitor, sem sair do Brasil, trafegar com sua curiosidade de observador por famosas cidades históricas da Europa. Por outro lado, há uma velada crítica às relações afetivas brotadas de relacionamentos via Internet. Mas o que chama a atenção é que nesse périplo pelas cidades da Europa, Pádua Lopes se configura um autêntico guia turístico. Conhecedor criterioso da história política e artística das cidades, ele demonstra que tem viajado muitas outras vezes a essas localidades, ou que tenha lido muito sobre os logradouros visitados. Ao final, quem sai ganhando é o leitor que termina por fazer seu turismo cultural pelo velho mundo sem ter que sair de casa.


FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 06/12/2016.


 

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