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Não deixo o meu Cariri

Batista de Lima




O Cariri é grudento. A gente passa por ele e fica impregnado de rapaduridade. Sai pelo mundo afora cheirando a pequi e devotando ao Padre Cícero honras de santificado. Nunca vai deixar de gostar da poesia de Patativa, da música de Luiz Gonzaga, da arte em couro de Expedito Seleiro, dos Irmãos Aniceto e da guerreira Bárbara de Alencar. É uma terra em que se mesclam o mítico e o místico. Dá inclusive para se lembrar de Lampião, Beato Zé Lourenço, Dona Fideralina e da Beata Maria de Araújo. Não se volta de lá sem que se traga o doce de buriti e uns rosários de coco.

Há naquela Região Sul do Ceará algumas pessoas que são mais caririenses que a população em geral. São pessoas que divulgam o que há de melhor na região, que são bairristas assumidos. Um desses personagens é Jurandy Temóteo. Editor da revista "A Província", que é editada desde 1953, Jurandy possui livros publicados, inclusive sua dissertação de mestrado sobre outro caririense vibrante, Walderedo Gonçalves. São trabalhos de pesquisa sobre literatos da região e divulgação desses personagens por este Brasil afora. Por isso que não nos surpreende esse novo trabalho seu que traz como título "Pio Carvalho, Riso e Mordacidade".

Pio Carvalho viveu a época mais turbulenta da história caririense. Presenciou e participou da guerra do Juazeiro contra o Crato, e das estripulias sangrentas entre os coronéis Belém e Antônio Luiz. Além desse seu lado aguerrido, Pio Carvalho fazia poemas cômicos, satíricos e eróticos. Prova disso é que ainda hoje há cratenses que sabem recitar trechos poéticos seus juntamente com versos de Luís Dantas Quezado e José Alves de Figueiredo. Esse material disperso foi deixado entre amigos e familiares de Pio Carvalho e agora recolhidos por Jurandy Temóteo.

Professor Jurandy andou garimpando esse espólio de Pio Carvalho até com filhas do homenageado que encontrou-as em atividade na década de 1970.

Mas esse seu livro trata com muito mais ênfase, da invasão do Crato pelos juazeirenses em 1914. Foi exatamente no dia 23 de janeiro, às 14h, que 750 homens vindos de Juazeiro atacaram o Crato. Atrás desse pequeno exército vinha uma quantidade maior de romeiros que fizeram a pilhagem do que ia sendo conquistado pelos invasores. E isso não foi tão difícil porque a resistência cratense estava desorganizada, pois alguns poderosos da cidade chegaram a ajudar os invasores.

Segundo afirma Jurandy Temóteo, a guerra contra o Crato tinha um objetivo maior que era a conquista do Governo do Estado do Ceará. Era propósito principal dos juazeirenses, a deposição do governador cearense Franco Rabelo. Esse governador havia assumido o poder em 14 de julho de 1912, após a deposição do oligarca governador Nogueira Acióli. E foi a perseguição ao banditismo no interior do Ceará que desgastou Franco Rabelo. A maioria dos municípios do nosso Estado era comandada por chefetes políticos que mantinham o poder à base do trabuco, mantendo cada um, pequenos exércitos de jagunços, prontos para matar, se preciso fosse.

O Coronel Franco Rabelo lotou as principais cadeias do Estado com criminosos e mandantes de crimes. Muitos coronéis do Sertão Caririense se aliaram junto com Floro Bartolomeu, do Juazeiro, para lutar contra Franco Rabelo. Como no Crato havia muitos aliados do Governador, era preciso atacar a cidade e acabar com essa resistência. Daí a invasão, em que até o Seminário São José foi ocupado pelos romeiros revoltosos. Nessa época, a estrada de ferro só ia até a cidade de Iguatu o que dificultava a chegada das forças do Governo às terras do Cariri.

Além dessa dificuldade para se chegar ao Crato com socorro urgente, alguns cratenses poderosos aliaram-se aos juazeirenses invasores. Basta citar aqui como exemplo o coronel cratense Antônio Luiz que forneceu aos invasores 200 rifles e 20 mil cartuchos. Depois desse saque que durou por três dias, os romeiros se deslocaram para Barbalha onde tudo se repetiu. Daí que por longos anos perdurou essa rivalidade entre Crato e Juazeiro, apesar da pouca distância que separa as duas cidades. Até em termos religiosos verifica-se desassossego entre as duas localidades. Enquanto a sede do bispado é no Crato, as romarias são para Juazeiro.

Esse livro de Jurandy Temóteo, que se propõe a enfatizar vida e obra de Pio Carvalho, foca mais sua pesquisa nessa guerra entre Crato e Juazeiro. Acontece que na efervescência do conflito, Pio Carvalho, residindo em Bodocó, no Pernambuco, deslocou-se com urgência para o Crato e participou da defesa do seu município de origem. Esteve no sítio Pau Seco, de propriedade de sua família, e impôs resistência aos invasores. Esse sítio histórico pertencera a Bárbara de Alencar e nele estava a casa grande em que a matriarca guerreira habitara por muitos anos.

Portanto, é esse entrelaçamento de fatos históricos narrados por Jurandy Temóteo que torna o livro curioso documento sobre a história do Cariri. Essa capilaridade de aconteceres é que nos provoca a curiosidade em torno das cenas fortes da região para concluirmos como diz o famoso verso musicado: "Só deixo o meu Cariri / no último pau-de-arara".


FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 02/02/2016.


 



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