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Novos poetas sessentões

Batista de Lima


Éramos tidos como conservadores e alguns até taxados de alienados. Isso, no entanto, é prova de que, na época, o patrulhamento político-ideológico era tão grande que não se concebia que três dezenas de jovens se reunissem um sábado por mês para recitar poemas que falavam de amor e de temas existenciais, enquanto nos porões da ditadura outros eram torturados e morfavam nas prisões.

Estão na faixa dos sessenta anos os componentes da IIª Antologia "Os novos poetas do Ceará". A publicação é de 1971, da Editora Henriqueta Galeno. O organizador é Carneiro Portela, à época presidente do Clube dos Poetas Cearenses. Nela aparecem alguns poucos nomes a mais dos que estavam na primeira antologia. São 93 páginas de poesias em que comparecem 33 autores, quase todos iniciantes na arte poética, o que nos leva a entender a fragilidade da maioria dos textos que se querem poemas. O pecado principal da maioria dos escritos fica por conta da extensão dos textos que se perdem, muitas vezes, pelo palavreado repetitivo e falta de síntese.

Os autores ocupam, cada um, duas páginas, em que aparecem alguns poucos dados biográficos e os textos. Na biografia do Carneiro Portela aparece a informação de que o Clube dos Poetas foi fundado em 30 de março de 1969. Há também na biografia de alguns autores, a informação de que, além de pertencerem ao CLUPCE, também fazerem parte da Academia Júnior do Ceará, inclusive citando a cadeira ocupada e o patrono. Acontece que não temos registros dessa academia, nem publicações que a identifiquem. Uma entidade que não deixa publicações, se perde no tempo, caindo no esquecimento até daqueles que a compuseram.

Mais uma vez, o curioso dessa antologia fica por conta do Prefácio, desta feita assinado por Rachel de Queiroz. É um belo texto que, acredito, não haja sido editado em nenhuma outro veículo. Ela frisa, principalmente, sua impossibilidade de produzir poemas. "Se há um caminho para mim fechado, misterioso e impossível, é o caminho da poesia. Nativa da terra firme, acostumada ao chão liso da prosa, que sai dos mares fundos, dos céus elétricos onde os poetas navegam e mergulham como no seu elemento funcional. Nessa religião deles, minha parte é ficar no terreiro da capela; enquanto eles lá dentro cantam e falam com Deus. A nós de cá de fora, o que nos cabe é admirar e bater no peito e ouvir com devoção a música".

Além de Rachel de Queiroz, outros escritores também aparecem na coletânea, fazendo seus comentários sobre o livro. É o caso de Carlos D´Alge, F. S. Nascimento, Vasques Filho, Paulo Aragão, César Coelho (que afirma estar Fortaleza perdendo a alma), Lúcio Lima, Fernando Tamburini (que classifica os novos escritores da antologia de "argonautas sublimes do sonho e do ideal") e Antônio Eduardo Pompeu de Sousa Brasil. Há também um agradecimento a Cândida Galeno, Oscar Moreira e Gerardo Camilo.

Com relação aos poemas, há poucos destaques, retratando metáforas soltas, às vezes em um volume grande de palavras dispensáveis. Arlindo Araújo, autor da capa, no poema "Eu", fala de uma "lua errante, / deslizando pelo tapete de arame farpado / da sua solidão". Abraão Batista, o melhor da antologia, aparece com o bom soneto "Pobres e nus" e com o belo" Serenata dos grilos", em versos livres. Outro bom texto é "Soneto", de Cleoman Fontenele, que também atuava como declamador, escultor e pintor. Francimar Nascimento aparece com dois sonetos de boa tecitura, são "Cinzas do Carnaval" e "Nômade". Há ainda a boa presença de L. C. de Alcântara com seus sonetos, bem como o também sonetista Luiz Ribeiro com seu "Miragem".

No verso livre, o destaque é Pádua Lima, que em "A ilha", diz: "como em qualquer rua simples / as casas fogem do poeta / que por trás dos óculos / se isola como ilha". Em "Tempoema" está: "faço versos lavrados na pedra / porque os homens / me cercam de muros / nesta terra onde é enterro / quanto mais se tem o corpo árido / maior se faz o rochedo () O sol é o mesmo para todos / mas tenho o sol que me deram". Outro bom momento de lirismo fica por conta de Rembrandt Esmeraldo que com seu poder de síntese, raro na antologia, afirma: "Saboreio / o azedo / de tuas palavras, / de tuas saudades, / e fecho / meu corpo / com punhaladas, / para que / não mais / circule nas veias / o sangue severino / desta vida".

Após encontrarmos esses destaques, é bom citarmos aqueles que, pela dimensão dos textos, avariam a linguagem no seu tônus literário. Estão publicados Aurila Araújo, Antônio José, Benedito Fonteles, Dulce Pereira, Edgar Marçal, Eliane Lopes, Edmar Albuquerque Paixão, Fátima Dourado, Fátima Sacramento, José Aírton, Josênio Camelo Parente, João Calixto, José Gerardo Torres Veras, Maria Clara, Mário Gomes, Messias Santos (sou uma gota de lágrima purificada do lodo), M. S. Barbosa, Nísia, Pedro Henrique Coelho, Proliveira, Salete Cavalcante, Valdora Duarte e Walden Luiz. Entre esses autores prevalece uma temática lírico-amorosa e inexiste entre eles qualquer referência ao pesado momento político que o Brasil atravessava naquele momento.

Essa falta de engajamento ideológico dos componentes do Clube dos Poetas, nas suas publicações, era responsável pelo olhar de trivela que outros intelectuais da época, bem como ativistas políticos nos dispensavam. Éramos tidos como conservadores e alguns até taxados de alienados. Isso, no entanto, é prova de que, na época, o patrulhamento político-ideológico era tão grande que não se concebia que três dezenas de jovens se reunissem um sábado por mês para recitar poemas que falavam de amor e de temas existenciais, enquanto nos porões da ditadura outros eram torturados e morfavam nas prisões.

Acontece que muitos dos críticos depois aderiram ao empreendimento do Portela e terminaram por participar de antologias posteriores e até por comparecer a alguns eventos da Casa de Juvenal Galeno. Afinal, comprovado está que apesar da qualidade do que ali se editou, foi o Clube dos Poetas Cearenses a porta primeira que se abriu para se editarem alguns bons escritores que hoje militam nas letras. A liderança de Carneiro Portela e a receptividade de Nenzinha Galeno contribuíram positivamente para o surgimento e divulgação de talentos literários do Ceará.


jbatista@unifor.br

11/05/10.

 

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