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Nossa língua, nossa pátria

Batista de Lima


Quando Roland Barthes diz que "o escritor é alguém que brinca com o corpo da mãe", tem como referencial a língua materna. A língua materna traz a mãe em si, a cultura, o lirismo, o afeto. Quando utilizamos nossa língua portuguesa trazemos ao tablado da vida, a nossa mãe, a nossa terra e nossa saudade. Por isso, quando os pais ensinam a criança a falar, estão lhe dando asas para o voo de que sempre utilizará ao longo da vida, para voar alto, acima de qualquer perigo, muito acima de qualquer solidão.

A língua é palco de todos os prazeres da linguagem. É nela onde se abastece o discurso. Entre a universalidade da linguagem e a particularidade do discurso, é a língua que faz a intermediação. Como a língua é uma criação social pode-se dizer que uma nação é um feito linguístico, como dizia Octávio Paz. A unidade nacional passa por uma unidade lingüística.

A leitura do mundo começa pela leitura da palavra. Minha pátria é minha língua materna, ou, como diz Olavo Bilac, no seu poema "Língua Portuguesa":

"Amo o teu viço agreste e o teu aroma / De virgens selvas e de oceano largo! / Amo-te, ó rude e doloroso idioma, / Em que da voz materna ouvi: ´meu filho´".

José Albano, o poeta cearense, peregrino errante, cantou loas ao seu áspero destino mas não deixou de incluir nosso idioma nos versos do seu poema "Ode à Língua Portuguesa": "Língua na qual suspirei primeiro / (…) Na qual me fez ditoso em tempo breve / Aquela doce fala / Que outra nenhuma iguala - nem descreve / (…) Não há língua que de amor, não cante".

Quando Roland Barthes diz que "o escritor é alguém que brinca com o corpo da mãe", tem como referencial a língua materna. A língua materna traz a mãe em si, a cultura, o lirismo, o afeto. Quando utilizamos nossa língua portuguesa trazemos ao tablado da vida, a nossa mãe, a nossa terra e nossa saudade. Por isso, quando os pais ensinam a criança a falar, estão lhe dando asas para o vôo de que sempre utilizará ao longo da vida, para voar alto, acima de qualquer perigo, muito acima de qualquer solidão.

Foi através da língua portuguesa que percorri com Guimarães Rosa, Riobaldo e Diadorim, os sertões de Minas Gerais. Foi com ela que Riobaldo deu sentido à vida, ao rastrear o sertão nas veredas das gerais. Foi com ela que o sertão chegou a ser tão.

Foi através da Língua Portuguesa que Alencar percorreu as matas do Ceará, anfitrionado por Iracema e Martim e denunciou nosso destino moacir: estigma pau-de-arara, candango ou arigó. Foi através dela que vi como se reconstrói todo um patrimônio latifundiário nordestino no romance de trinta. Quantas fazendas foram recuperadas nas páginas daqueles romances. Através dela, Bandeira suportou a falta da saúde, cantando e amando a dor; e Drummond reconstruiu as fazendas da infância; e Pessoa criou os enigmas poéticos mais inusitados de nossa língua; e Camões reconstruiu a viagem de Vasco da Gama e a glória de Portugal por mares nunca dantes navegados.

Por outro lado esta língua também possui suas rugas, ela possui sua gramática. Como diz o Professor Evanildo Bechara, "o gramático não é um legislador do idioma, nem tampouco o tirano que defende uma imutabilidade do sistema expressivo. Cabe-lhe ordenar os fatos lingüísticos da língua padrão na sua época, para servirem às pessoas que começam a aprender o idioma".

Coerentes pois com o nosso gramático, interessa-nos acompanhar a evolução da Língua Portuguesa, principalmente nos fenômenos que nos tempos por que passamos, enriquecem seu patrimônio lingüístico. O que está acontecendo é uma construção feita sobre um pedestal riquíssimo que nos antecede. Nossa língua é nossa pátria, nossa casa, nosso ninho, nossa concha.

Lembro-me da advertência do Professor Costa Matos de que "povo sem língua é povo sem alma, povo colonizável". Assim como o poeta latino Juvenal, nas suas Sátiras denunciava a invasão grega na língua latina, assim nosso Costa Matos, em seus artigos, denunciava a invasão desregrada de estangeirismos em nossa sofrida Língua Portuguesa. Sabemos que uma língua enriquece com a infiltração de termos estrangeiros em seu léxico. Mas que essa influência não desfigure o nosso falar. Que nossos termos tradicionais não sejam trocados por nomes novos em outras línguas.

Não podemos olvidar o mocororó e a cajuína por conta da coca-cola, nem a rapadura e o pequi por conta do big-mac e da nêspera. Muita saúva e pouca saúde os males do Brasil ainda são. E entre Europa, França e Bahia levaremos nossa nação montada na palavra que representa este Brasil de caboclo, de mãe Chica e pai João. Nós temos Iracema, Capitu, Macunaíma, Ana Terra, Diadorim e Tibicuera. Temos a palavra que sacode a alma. Aliás, lembro-me bem do meu alumbramento de menino quando ouvi pela primeira vez a palavra "absolutamente". Tão amante fiquei desta palavra que caio de ciúmes quando um outro a utiliza. Aurélio Buarque de Holanda disse certa vez que sentia um arrepio quando pronunciava "alvorada" e Mário Quintana se compunha todo para pronunciar "voluptuosidade", para ele, não uma palavra, mas uma dama sinuosa e sensual a executar a dança do ventre numa alcova só sua. Meu avô José Cândido de Lima, dono de engenho e sítio de cana, estranhava a palavra "tiborna" que, segundo ele, é tudo o que sobra do vasto mundo. Dizia ele que o suor é a tiborna do corpo e a saudade é a tiborna da alma.

Quero ainda deixar aqui o registro de algumas palavras que admiro pois a língua portuguesa as me emprestou para eu começar a cismar meus primeiros mundos. São quase todas polissilábicas e nas minhas primeiras letras eu as escrevia como se fossem nomes de namoradas em folhas mais ou menos perfumadas e as condicionava entre as páginas da Crestomatia, de Radagaso Taborda. Há pouco tempo as encontrei: Alméssegas, Sipaúbas, cambiteiro, tombador, caldeireiro, bagaceira, passadeira, caixeador, xixilar, caritó, bulandeira, almanjarra, orondongo, cotoronga, alvíssaras, trovoada, barbatão, curicaca, jaçanã, jenipapo, moleira, espinhela, catimbó, curimatã, urupemba, pataca, engenho, botija, tanajura, convescote, reclame e prospecto. Também algumas expressões que me marcaram e que guardei escritas e ainda uso: ô de casa, ô de fora, teje preso, traga os noivos, traz a vela, com licença, até amanhã, Deus te cuide, bom dia, boa tarde, pelo sinal, até mais ver, a casa é sua, tá cedo, Deus te abençoe, boa sorte, boa noite e muito obrigado.


jbatista@unifor.br

08/06/10.

 

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