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Ninguém esquece Sobral

Batista de Lima


Sobral entrou-me de casa a dentro, sem pedir licença, pelas mãos do preguiçoso correio, de braços dados com algumas contas já fora do prazo de pagamento. Mas "Sobral que não esqueço" chegou antes do seu dia de lançamento graças à gentileza de seu autor, Lustosa da Costa. São 192 páginas de relatos em edição caprichada da Expressão Gráfica Editora.

Lustosa da Costa é o embaixador de Sobral desde que resolveu abrir as cancelas do mundo para divulgar aquela "cidade intelectual". Já são quase dez livros em que ele transforma em rainha, a Princesa do Norte. Isso faz com que, dos municípios do interior cearense, seja Sobral o mais conhecido literariamente.

A cada livro que escreve, a gente antevê a possibilidade de que venha recheado de fatos que já foram narrados anteriormente. Entretanto, são novas abordagens que nos chegam e que nos dão a impressão de que aquela cidade é inesgotável em termos de produção de histórias. Isso tudo nos provoca um conhecimento tal de Sobral que na última das poucas vezes que lá estive foi como se estivesse seguindo os passos de Lustosa por ruas já andadas através de seus livros lidos. Daí que não é mais o autor que não esquece Sobral, mas sim o leitor que a revisita sem sair de seu birô de leitura. Sobral está guardada na minha memória pelos livros de Lustosa.

Dois setores da vida social nos encantam pelas facetas desempenhadas pelos seus representantes: a igreja e a política. O principal representante do clero, Dom José Tupinambá da Frota, é um dos construtores da Sobral religiosa, intelectual e política. Fundou o Seminário, a Santa Casa, o Colégio Sobralense (para rapazes), o Colégio de Sant´Ana (para as moças), o Patronato, o abrigo para velhos, o banco da diocese e o jornal Correio da Semana. No entanto, criou um personagem marcante na história de Sobral que foi o padre José Palhano de Saboya. Foram tantas as peripécias desse personagem que Lustosa da Costa poderia escrever um livro apenas para contar a vida desse religioso político.

Padre Palhano, cria do bispo Dom José, foi Prefeito da cidade e chegou a Deputado Federal. Namorava e celebrava com a mesma desenvoltura. Fazia política e religião sem estabelecer distância. Figura um tanto picaresca, pilotava suas motos e seu avião como se fosse um ser superior. Com a morte do Bispo começou seu inferno astral, a começar pela sua cassação como Deputado Federal. Sua grande batalha, no entanto, foi quando disputou e ganhou eleição para prefeito, em disputa com Chico Monte. Era eu menino a esse tempo, morador do Cariri, distante de Sobral, e ainda me lembro das notícias que os rádios transmitiam dessa guerra sobralense.

Por falar em rádio, também merece destaque a participação das rádios na vida sobralense. Cada facção política possuía a sua e até o bispo foi homenageado com a rádio Tupinambá, de orientação religiosa. Essa religiosidade sobralense é sempre tratada por Lustosa, colocando o bispo Dom José como figura de proa, mas aparecem outros religiosos fervorosos e exigentes nas suas prédicas de púlpito. Monsenhor Sabino Loiola, com suas exigências em torno do recato religioso, Padre Osvaldo Chaves e sua intelectual personalidade figuram em um clero onde padres pontificam mas não se fala em freira de destaque.

Dos meus tempos de seminarista em Crato ainda me recordo da importância de Madre Ana Couto e Madre Feitosa na construção da religiosidade e da educação daquela cidade. No entanto, nos livros de Lustosa não aparecem freiras como se não as tivessem existido em Sobral. Essa diferença entre o mundo sobralense e o caririense, com relação à mulher ainda nos põe frente a frente com a questão do matriarcado tão bem desempenhado por Bárbara de Alencar e Fideralina Augusto de Lima que tiveram força política marcante na região. Sobral de Lustosa é terra apenas de homens destacados, haja vista que ao longo do livro, e em especial no capítulo "Gente da gente" só nomes masculinos se destacam.

Apesar de ser um livro de história política e religiosa de Sobral o texto de Lustosa nos apresenta uma faceta que instiga à leitura prazerosa, é o humor. Esse ingrediente textual além de prender o leitor à narrativa faz com que os lances inusitados levem-no a rir durante seu ato solitário de leitura. Aliás, não há nem solidão nesse momento de contato textual porque o livro é uma conversa com o autor que parece estar à nossa frente em um dos bares do Beco do Cotovelo, a repassar os lances que fizeram a história de sua cidade. O capítulo 2 do livro, "A cruz e o couro" é história, antropologia e sociologia através de uma verve humorística que cativa o mais exigente dos leitores.

A leitura de "Sobral que não esqueço" pode ser feita a partir de qualquer capítulo do livro. Há uma certa independência das partes que pode levar o leitor a começar a ler pelo final. Pois é no final do livro, nos capítulos dez e onze em que, sob os títulos "Sob a lei de Deus" e "Gente da gente", onde desfilam os personagens religiosos e leigos respectivamente presentes no restante do livro. Então é importante primeiro conhecer os personagens para depois ler suas histórias. Isso, pois, só é possível começando a leitura pelo final do livro, sempre colocando situações antagônicas: o boi e a batina, o urbano e o rural, o sacro e o profano.

Finalmente, após a leitura dos muitos livros de Lustosa da Costa, pode-se, então, como leitor acostumado com suas narrativas, dar pelo menos uma sugestão para o próximo livro. Seria algo didático. Um livro em que todos os fatos narrados em seus livros já publicados, fossem compilados e condensados em um volume não muito extenso para estudo nas escolas de ensino médio de Sobral. Isso porque temos a mania de estudarmos a história do mundo quase todo e esquecermos a nossa própria história. O sobralense precisa conhecer Sobral, pela leitura dos livros que narram a sua história, repleta de lances heróicos, de homens que marcaram época pela coragem, pela inteligência e pela ânsia de poder, mas que foram os reais construtores da importante cidade.


jbatista@unifor.br

18/05/10.

 

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