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Nilto Maciel revisitado

Batista de Lima




Nilto Maciel tinha um irmão chamado Edinardo, que fazia Letras na mesma época que eu. Através dele cheguei a me aproximar de Nilto, que estudava Direito. Era uma época politicamente difícil. Eram os horrores do AI-V em pleno vigor.

Edinardo foi para Minas e lá morreu em um acidente de automóvel. Nilto foi para Brasília onde morou por 25 anos. Antes teve uma breve incursão no Clube dos Poetas Cearenses. Sua atuação mais efetiva foi na produção da revista "O Saco", em 1976.

"O Saco" foi organizada por Manoel Raposo, Jakson Sampaio, Nilto Maciel e Carlos Emílio. Foi uma publicação de impacto, aqui no Ceará e em outros estados do Brasil, afinal esse grupo não apenas editou a revista, mas se preocupou em distribuí-la em várias capitais brasileiras. Chegou a sete números e terminou atingida pela censura. Após esse final e com a transferência para Brasília, Nilto afastou-se um pouco dos movimentos literários locais, voltando a aparecer em 1979, quando da criação do grupo Siriará. Esse grupo, que chegou a contar com 22 participantes, publicou manifesto e editou uma revista.

Nilto, mesmo estando em Brasília, teve participação no grupo. Nesses contatos cultivamos uma amizade que se prolongou por toda sua vida. Em Brasília ele angariou respeito intelectual dos escritores da terra. Quando um escritor cearense por lá aparecia, ele anfitrionava com galhardia e o apresentava aos seus amigos conquistados. Costumava levar o conterrâneo ao bar Macambira, de um cearense, e que concentrava muitos dos escritores da Capital Federal. Depois ainda ia mostrar alguns pontos turísticos da cidade. Não era maleável nas suas relações de amizade. Não possuía muitos amigos, mas os que possuía eram especiais.

Foi em Brasília que Nilto Maciel editou seus principais livros. Mesmo sendo um solitário convicto, era um ser gregário. As pessoas o procuravam mesmo não sendo convidadas. Em ocasiões em que nos encontramos em Brasília, ele me propôs organizar um livro contendo minha incipiente fortuna crítica. Considerei um desafio da sua parte mas nos engajamos no projeto.

Tudo que haviam escrito sobre mim, coloquei nas suas mãos e ainda combinamos o título: "Pele e abismo na escritura de Batista de Lima". Foi formado um volume de 250 páginas que a Universidade de Fortaleza editou em 2006.

Foi dele também que me veio o convite para participar de seu novo empreendimento, "Literatura: revista do escritor brasileiro". O primeiro número saiu em 1992, e foi editada até 2008. Foram 35 números com participação de escritores do País inteiro em regime de colaboração financeira, em troca de exemplares que ele nos remetia pelo correio. Era tão meticulosamente correto no seu empreendimento, que participei com textos em todas as edições, e ainda hoje estaria colaborando se a revista continuasse viva. Acontece que havia escritores que não enviavam o numerário correspondente às páginas ocupadas e Nilto bancava o prejuízo.

Nilto Maciel, depois que se desincumbiu de sua faina profissional na justiça do Planalto, voltou a Fortaleza para se dedicar integralmente à literatura. Nesse seu retorno, arregimentou em torno de si a ala mais jovem dos literatos cearenses. Transformou sua casa em ponto de reunião desses escritores, entre eles os destacados Pedro Salgueiro e Raimundo Neto. Este último foi quem escreveu e editou sua biografia. Em setenta páginas, Raimundo Neto, em ordem cronológica, trouxe a lume toda a trajetória literária e profissional de Nilto, desde a infância em Baturité, passando pelos estudos em Fortaleza, a vida profissional em Brasília e o retorno à terra de Iracema.

Um dado nesse livro que chama a atenção é a revelação de que Nilto Maciel era um viciado em leitura. Desde criança era um devorador de textos. Leu os clássicos ainda imberbe, fazendo da leitura um aprendizado para a escritura. Daí que versava sobre qualquer assunto literário com desenvoltura.

Chegou também, por conta de suas variadas leituras, a praticar diferentes gêneros literários. Trafegava da crônica ao conto, da poesia ao romance, com incursões na crítica literária. Nas suas criações narrativas, era portador de uma linguagem simbólica, às vezes surreal, outras vezes fantástica e que surpreendia seus leitores a cada nova publicação.

Participava de discussões literárias que fossem de seu interesse. Assim estivemos na Universidade Vale do Acaraú, UVA, em visita de palestras, e em Aracati, em evento literário de muita participação popular. Aqui em Fortaleza, Nilto não era muito simpático a lançamentos literários em clubes elegantes. Nunca interessou-se em participar de academias. Preferiu ficar em casa com suas leituras e escrituras, dialogando com seus personagens narrativos.

Assim, deixou vasta produção entre novelas, romances, contos, crônicas, poesias e ensaios. O melhor de suas publicações está em "Estaca zero", romance; "Os guerreiros de Monte-Mor", novela; "A última noite de Helena", romance; "O cabra que virou bode", novela; "As insolentes patas do cão", contos; "Os luzeiros do mundo", romance; "Os varões de Palma", romance; "Babel", contos; "Pescoço de girafa na poeira", contos. Na área de ensaios, publicou "Panorama do conto cearense". Estava em plena atividade com seu blog Literatura sem fronteiras, quando nos deixou de forma tão sutil e inesperada como sempre viveu. Fato é que Nilto Maciel faz uma grande falta à nossa literatura.


FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 04/07/2017.


 

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