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Márcio Catunda e os alternativos

Batista de Lima


Márcio Catunda, quando era presidente do Clube dos Poetas Cearenses, era aluno de Direito na Universidade Federal do Ceará. Depois cursou o Instituto Rio Branco e culminou com a carreira de embaixador. Por onde passou, em várias embaixadas, por muitos países, deixou seu plantio de poemas. Poeta místico, com temas introspectivos, desde o início da década de 1970 vem estreitando relações literárias com os poetas alternativos. Aqui no Ceará, foi ele quem mais próximo esteve de Mário Gomes, divulgando-o e estudando sua poética.

Essa militância literária de Márcio teve um de seus momentos de grande destaque quando em 2015 participou da antologia "Quadrigrafias", ao lado de Elaine Panvolid, Ricardo Alfaya e Tanussi Cardoso. Estes dois últimos nunca perderam, assim como nosso embaixador, essa vocação gregária. Quanto à participação de Elaine Panvolid nessa antologia, é fundamental sua estética do vazio em que o silêncio se enrosca metaforicamente. Às vezes, apenas uma frase no centro da página leva seu alcance semântico a ocupar toda a página e ir além dela. Essa escritora é quem faz o prefácio dessa coletânea, dando-lhe o título de "Retro-alimentação".

Em seguida, em pouco mais de quarenta páginas, Márcio Catunda apresenta seus "Dias Insólitos", em um estilo totalmente inovador e diferente dos colegas do livro. São poemas para se abrir uma meditação. Há uma vastidão que emana de seus versos e se alastra pelo cotidiano numa sagração do existir. É um existir que recusa a finitude e propõe uma "vadiagem mística".

Seu lado confessional mescla-se com o existencial para levar o leitor a também ingressar nas elevações do espírito sem perder o contato com o real. Nesse aspecto o tempo corrosivo conduz a uma meditação espiritual. Há momentos em que Márcio é um eremita recluso nas suas meditações.

O terceiro, no livro, é Ricardo Alfaya, com seu "Álbum sem família", um poeta em que o eu lírico se enclausura com sua timidez poética na penumbra das metáforas. Sua melancolia é fruto de um luto não resolvido mas também não revelado. Seus vários modos de se apresentar poeticamente revelam um poeta que põe no tablado do texto alguns "clawns" em pantomima, cercados de sombras quase trevas. Seu poema "Apesar de Freud" deixa pistas de quem leu "A interpretação dos sonhos", ou passou por alguma terapia além do fazer poético. Talvez dos quatro seja o mais enigmático, mesmo com sua "Câmera clara", como fez Bartes com saudades da mãe.

O último a aparecer nessa seleta é Tanussi Cardoso, atuante promotor poético desde os tempos da poesia marginal. O conjunto de seus poemas traz o sugestivo título "Dos significados", o que leva o leitor já a imaginar uma imersão metalinguística do poeta. Ele faz uma arguição implícita ao leitor. Dá, no entanto, para se notar uma certa insatisfação diante do código linguístico com suas limitações diante da imensidão subjetiva da poesia. Também há uma inclinação para o silêncio, "esse jeito pra dentro", diante do "suicídio aparente das coisas". Por isso a tarde se torna inútil, quando o dia já nasce fruta madura.

Essa coletânea poética traz comentários auriculares do professor Gilberto Mendonça Teles que enfatiza a valorização do silêncio dos poemas. Também cita a economia verbal o que não é novidade diante de tanta busca pelo silêncio. Fato é que o leitor detecta, em cada um dos autores, caracteres que têm acompanhado esses poetas desde o tempo da "Xerox generation".

A angústia diante do efêmero da existência e o consequente confronto com o tempo corrosivo marcam essa nossa geração que não vivenciou seus verdes anos, diante dos momentos de exceção política por que passou. Por isso não se perde nunca essa mania de reconstrução diante dos escombros encontrados.


FONTE: Diário do Nordeste - 31/12/2018.


 

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