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Memórias póstumas de Constantino Curtis

Batista de Lima


Após 24 horas de sua morte, Constantino Curtis iniciou a escrita de sua narrativa. Foi preciso primeiro morrer para poder narrar-se. Daí a completude de suas memórias que possuem, como coroamento, a morte. O ciclo vital aparece completo a despeito de muitas memórias escritas por aí que esbarram sem a conclusão do existir. Portanto não são memórias completas.

No caso de Constantino, Eros e Tanatos se dão as mãos para que flua a saga do cloro da piscina da infância ao cheiro do eucalipto da sauna final. Entre esses dois pólos, a história do personagem é sua salvação conseguida com a morte que lhe deu a liberdade de revelar-se. Só então se inicia a desconstrução de uma realidade aparente que se manteve incólume ao longo de meio século de existência. É evidente que muitos signos reveladores vão sendo distribuídos ao longo do texto, e não camuflam por inteiro a identidade de Tino. Entretanto, mantendo-se no limbo “pos-mortem” e sentindo-se numa liberdade plena, ele pode dar sentido ao que foi sua vida, relatando-a.

Essa história de Constantino Curtis, ou Tino, está narrada em “Cloro”, terceiro livro do diplomata Alexandre Vidal Porto. Narrativa de ficção, como consta na ficha catalográfica, esse livro, editado pela Companhia das Letras, em 2018, traz uma belíssima capa elaborada sobre quadro de Adriana Varejão que apresenta um misto de piscina e sauna. A cor azul da imagem pode ser apenas do azulejo, pode ser da água ou do infinito que dela se desprende. Fato é que a belíssima capa já é um convite à leitura das 151 páginas da intrigante narrativa, toda elaborada em primeira pessoa.

Esse não é o primeiro livro de Alexandre Porto. Antes, ele publicou os romances “Matias na cidade” (Record, 205) e “Sérgio Y. Vai à América” (Companhia das Letras, 2014). Infância em São Paulo, juventude em Fortaleza, depois de adulto, pós-graduado em Direito e componente do corpo diplomático brasileiro, já viveu em Brasília, Nova Yorque, Santiago, Tóquio, Washington e Cidade do México. Sua facilidade na expressão escrita traz experiência como colunista no jornal “Folha de São Paulo”. Foi estudante na Universidade de Harvard e é ganhador de prêmios literários. Essa bagagem cultural o credencia a escritor de ampla visão de mundo.

O importante nesse romance é o conjunto de recursos que o autor põe em prática para segurar o leitor no seu encalço. A narrativa circular inicia-se com a morte e com ela termina. Os cenários de atuação do personagem principal são urbanos o que leva o leitor a concluir pelo profundo conhecimento que o autor possui das grandes cidades em que atuou como diplomata. Sua intertextualidade, que remete às “Memórias póstumas de Braz Cubas” não cria laços de similitude com essa obra machadiana que configurem dependência de estilo. Constantino Curtis é quem conduz seus leitores acompanhantes sem preocupações subjetivas para análises psicanalíticas.

Desde criança, quando sentiu o cheiro do cloro no corpo do seu instrutor de natação, passando por um casamento com Débora e produção de dois filhos, Tino segurou-se. Só aos cinquenta começou a relacionar-se com parceiros. Encontrou-se finalmente com Emílio que podia ser o porto final, mas o companheiro trocou-o por Singapura. Aquela embaixada foi mais importante. Constantino em Tóquio morre de AVC numa sauna. Foi preciso morrer para sair total do armário. Agora só restava contar sua história completa e revelar-se, o que não teve coragem em vida.


FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 28/05/19.


 


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