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Memórias do Colégio Agrícola

Batista de Lima


Não fui aluno do Colégio Agrícola, de Lavras da Mangabeira, apesar de minha família residir a 20 quilômetros dali. Tinha, no entanto, uma certa inveja de quem lá estudava. Afinal, sempre acreditei que a agricultura seria um dos esteios em que o Brasil poderia se apoiar para alicerçar seu crescimento.

Com minha ida para o seminário, fui desviado dessa vocação agrícola. Entretanto, tudo o que se refere àquela escola, no momento desativada, me interessa muito. É que muitos da minha geração por lá passaram e hoje ocupam lugares de destaque nos vários setores da vida social.

Foi por isso que me despertou muito interesse a leitura deste livro de Pereira de Albuquerque. O título, "Os filhos da caatinga", não faz referência direta ao colégio. Talvez ao fato de que aquela escola agrícola tenha sido construída em plena caatinga, a três quilômetros do centro da cidade.

O importante, no entanto, é que se construiu um açude e se ergueu um casarão de estudos por onde passaram gerações de técnicos agrícolas que hoje se espalham por este Brasil. Afinal, havia ali estudantes dos mais variados locais do nosso Nordeste.

Pereira de Albuquerque foi aluno do Colégio Agrícola nos anos de 1960, 1961 e 1962. Nascido em Ipaumirim, cidade vizinha a Lavras, tinha no Colégio Agrícola a opção mais viável para seus estudos de menino de origem humilde que já não possuía pai. O colégio era gratuito e fornecia desde o material escolar até ao fardamento para seus alunos.

Ali havia dois tipos de estudantes, os internos, de cidades distantes, e os externos que residiam em Lavras. Havia uma divisão entre menores e maiores. Era uma escola de tempo integral com muitas aulas práticas e com laboratórios bem equipados. Nesse tempo, o diretor era o Dr. Gustavo Augusto de Lima.

Doutor Gustavo era agrônomo, professor estimado pelos alunos, e como descendente da poderosa família Augusto, que dominou politicamente por quase um século aquela cidade, tinha também suas incursões pela política. Prova disso é que chegou a ter assento na Assembléia Legislativa do Ceará, como deputado estadual.

Mesmo assim era de uma dedicação exemplar ao Colégio, tendo angariado o respeito e a admiração de seus alunos, principalmente do autor destas memórias. Pereira de Albuquerque carrega na adjetivação ao elogiar a cada vez que se refere a esse eminente educador, que como pesquisador e escritor é inegável seu trabalho em torno da cultura do arroz.

Nesse panorama, o menino tímido, reservado mas tão inteligente que sempre foi o primeiro da turma, ia captando pelas retinas e gravando na memória toda a história do colégio, daquele período. Os colegas de destaque, os conterrâneos, os alunos de comportamento inusitado, todos vão desfilando na sua narrativa.

Entram em cena, dizem a que vieram e vão sendo substituídos pelas descrições criteriosas dos professores, dos guardas e dos supervisores. Ninguém fica incólume ao olhar de Pereira de Albuquerque. Até fatos marcantes da época, como a Copa do Mundo de 1962, em que o Brasil foi campeão, estão cravados na sua memória.

Dois episódios, no entanto, recebem um tratamento privilegiado pelo autor, como a partida de futebol entre internos e externos, em campo de futebol no centro da cidade, e sua suspensão, em outro momento, por ter confeccionado uma charge erótica no quadro negro de sua sala de aula.

No episódio do futebol, o destaque é dado à truculência do delegado da cidade, coronel Bento, que invade o campo com sua tropa e prende um interno, aluno Marconi Aquino Ribeiro, apenas por causa de uma confusão em campo por um gol anulado. No caso da charge, o destaque fica por conta do sofrimento de Pereira nos dias que antecederam sua punição, sendo suspenso por vinte dias e não expulso como temia. O desfile de personagens citados é tão grande, com seus apelidos ou só com um dos nomes com que eram conhecidos, que no final do livro, um índice onomástico, com os nomes completos, foi elaborado para facilitar o entendimento pelo leitor. Assim, entre tantos, vão surgindo Zuza Leite, o louco Xavier, professora Selma Sampaio, Padre Alzir Sampaio, professora Stella Filgueiras Sampaio, João Ludgero Sobreira, Marneudo Férrer, Tavinho (Gustavo Augusto Lima Bisneto), Maria Sônia Sampaio, Rejane Monteiro Augusto, Gustavo Leite, Fideralina Augusto Lima, Francisco Dias de Lima, Maria do Socorro Correia Lima, Vicente Férrer Augusto Lima, Vicente Nogueira Lima (Manduca), Coronel Gustavo, Mário Bezerra Fernandes, José Columba de Sousa, Morton Teixeira Férrer, Mirialdo Linhares Garcia, Rosa Firmo Bezerra, Emanuel Férrer de Almeida, Alfredo Araújo Caldas, etc.

Além desses nomes que compuseram um momento histórico do Colégio Agrícola de Lavras, há também citadas personalidades da vida pública da cidade. Essa cidade ele trata com carinho; citando cada ponto característico: o Boqueirão, o Morro do Cruzeiro, a Rua do Alto, o beco do Cartório, o rio Salgado, querendo invadir a cidade e o povo subindo as calçadas, o trem apitando alvíssaras, o boteco de Doro, a praça da Matriz, o Bar do Joãozinho, o bilhar de Manuel Correira, a Estação Ferroviária, o Jardim Gustavo Lima, o bairro do Rosário, a rua da Umarizeira e a matriz de São Vicente, em estilo barroco.

Pereira de Albuquerque, portanto, desenha a cidade de Lavras, encravada em forma de coração entre três vitais artérias: o rio das águas, o Salgado; o rio de ferro, para a passagem dos trens Fortaleza-Crato, e o rio hoje de asfalto à época rodagem que a liga a outras cidades. Entretanto, o principal desenho que se ergue é feito com as linhas da saudade, traçadas nos painéis da memória.

Essa reconstrução do Colégio Agrícola, chamada na região de Escola dos Pereiros, é de uma necessidade gritante, tendo em vista que até o final de 2010 sua reativação ainda não se concretizara. Esse livro de Pereira de Albuquerque ativou-lhe a pulsação quase exangue, e desperta em nós a preocupação em reativá-la antes que o tempo com sua inapelável corrosão a retire de vez dos nossos sonhos de vê-la viva, funcionando.


jbatista@unifor.br

18/01/11.

 

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