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Memórias de Sipaúbas

Batista de Lima


Sipaúbas, quando entrou no mapa, passou a se limitar ao sul com Tabocal, ao norte com Mamona, ao oeste com o pôr do sol e ao leste com o quebrar da barra. O IBGE, quando foi lhe cortar o cordão umbilical, descobriu que sua maior produção era menino. Também descobriu que muitos não alcançavam o fim do dia em que nasciam e já eram levados em caixa de papelão para adubarem uma encruzilhada cheia de assombrações.

Sipaúbas era assim até quando uma estrada passou por perto e levou os escapados em busca da luz do horizonte. Eles se foram e voltaram muitas vezes em envelopes de muitos selos. Sipaúbas virou um lugar de alvíssaras passageiras. Elas duravam entre a chegada do correio e a abertura do envelope. O comércio de sete bodegas fechava as portas para que todos ouvissem a leitura da missiva, na radiadora Voz de Cristal. Se fosse notícia de morte, o sino da igreja espantava as andorinhas pelo resto do dia e a radiadora fechava três noites. Sipaúbas era superlativa nos seus aconteceres. Um bezerro que morria, a cidadezinha baixava as pálpebras e vertia lágrimas.

Um dia resolveram emancipá-la. Ela adormeceu cidade e acordou distrito. Um filho da terra resolveu escrever-lhe as memórias. Daí que o acontecimento mais comentado foi a história do primeiro e único atropelamento ocorrido por lá. Um surdo fora atropelado por um carro de boi. Sipaúbas cultiva uma rivalidade muito grande com Mamona. As duas cidades brigam no futebol e nas festas de seus padroeiros. O time de Sipaúbas é mais valente. Sua onzena assim se forma: Cotó, Ranheta, Facada e Dá na mãe, Contra Deus, Cachorrão, Fiapo e Urtiga, Cicatriz, Chibata e Macambira. Não apanha dentro nem fora do campo.

Os sipaubenses têm uma cachaça que se chama Fubuia. Bebe, quem não tem juízo, escapa quem tem sorte. Por falar em juízo, sempre há um doido de plantão naquele lugar. Quando morre, aparece logo outro substituto. Por isso nunca faltou um sem juízo entre aquele povo. O mais louco da história da vila um dia resolveu deixar de ser doido e deixou todo mundo enlouquecido de raiva. Afinal, o doido de Sipaúbas é uma instutição tradicional. Além disso, há um conquistador que é o sonho das garotas de Sipaúbas. Acontece que ele não decide por qual mulher ficar, prefere ser tangerino, e pregador, para livrar os conterrâneos do fogo do inferno.

Em Sipaúbas há uma Josefina cujo apelido é Quebra Osso. Que o diga o cadeirante Alonso, depois do dia em que tentou roubar-lhe um beijo. Outro personagem vítima de violência foi o jovem Marcolino Dias que levou uma surra do pai, fora dos padrões locais. Foi o bastante para o rapaz fugir de casa para nunca mais voltar. Um dia, um conterrâneo o viu na Bolívia ainda em fuga. Dizem que ultimamente alguém o encontrou na Guatemala, em busca do México para fugir do pai. Há ainda o mergulhador Arquibaldo, um homem que de tanto pescar escondido nos açudes alheios tornou-se lodoso e escamoso, sempre fedendo a peixe.

Um dos sipaubenses mais azarados foi o Ribamar, que na sua primeira viagem à Capital, voltou conduzindo um litro de água do mar para botar onda no açude do pé da serra. Acontece que trouxe também um buraco no peito, assombrando Sipaúbas com sua tuberculose. Há também naquela cidade, personagens típicos como Macário retirante, o professor Floriano, Nicanor e Calígula. Essas pessoas quebravam a rotina do lugar, botando vida naqueles dias de pouca ventania. Importante era quebrar o silêncio da praça, abrir as pestanas das janelas e assoviar pedindo vento, enquanto o santo padroeiro ficava dormindo no altar da igreja esperando o domingo chegar para salvar todo mundo.


jbatista@unifor.br.

24/09/19.

 

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