top of page
  • Foto do escritorBatista de Lima

Memória em construção

Batista de Lima



Assim é que sempre retorna para sua vila de Mangabeira onde nasceu, se batizou e se crismou sob as vistas de São Sebastião, o padroeiro e protetor daquele povo. Também nunca deixou de frequentar o sítio Taquari onde nasceu e viveu por bastante tempo. Aquela comunidade tanto o atrai que no lugar da casa onde nasceu seu pai e morou seu avô, ele ergueu casa nova de veraneio e cultivou pomar com variedades hortifrutigranjeiras que impressionam os transeuntes A memória é uma construção. É um texto em evolução, principalmente quando se está em plena atividade produtiva. Para quem a elabora é importante ter a lembrança de fatos, detalhes e até de datas, horas, minutos e locais. Não é fácil pois o cultivo desse gênero de escrita. No entanto, constrói-se a memória de um povo a partir da memória de cada um. Do indivíduo, do particular, chega-se com mais facilidade ao geral. A memória coletiva é tecida com fios de realizações de cada cidadão. Esse processo nós detectamos ao ler a trajetória de vida do Padre Manoel Lemos de Amorim, no seu livro "Vida Vocação Mistério". Padre Amorim nasceu em 1927 na Vila de São José, hoje Mangabeira, no município de Lavras da Mangabeira. Seu pai, o comerciante Claudino Amorim, um homem de visão, preocupou-se em educar, ao lado da esposa, Maria Senhora Lemos de Amorim, a numerosa família de dez filhos onde pontificaram doutor, padre e freira. O estudo inicial foi ministrado à numerosa prole, lá mesmo, em Mangabeira, por educadoras que formaram toda uma geração de futuros cidadãos. Foram as professoras Vicência Mota, Rosária Mota e Maria Oliveira. Feitos os estudos iniciais, os destinos foram os mais variados, o Colégio Santa Tereza, o Colégio Diocesano e o Seminário, todos do Crato. Foi lá no Seminário do Crato onde o futuro Padre Amorim se preparou para em seguida se transferir para o Seminário da Prainha em Fortaleza, até se ordenar. Também alguns dos irmãos foram estudar em Cajazeiras, Paraíba, e outros em Recife. De modo que todos estavam enveredados nos estudos, em conceituados colégios nordestinos. Essa história familiar, o Padre Amorim vai contando em seu livro, com minúcias de detalhes. Sua ordenação e sua estreia como Vigário de Jamacaru, distrito de Missão Velha, na década de 1950, são narradas como se estivessem ainda acontecendo. Essa prodigiosa memória continua a trajetória de vida que o leva ao tempo seguinte quando foi o Diretor Espiritual do Seminário do Crato (1960 a 1962). Daí para Reitor e Ecônomo do Seminário não houve intervalo. Esse trabalho de direção só foi interrompido em agosto de 1966 quando foi a Roma para cursar Sociologia com os Jesuítas, ficando ali até maio de 1967. Ao retornar da cidade eterna, foi ser cooperador do Monsenhor Amarílio Rodrigues, na Paróquia da Paz, até 1978. De 1978 a 1981 foi vigário da Paróquia do Carmo. Finalmente de 1981 a 2008 exerceu o paroquiato na Igreja de Fátima. Ao longo de todos esses anos, Padre Amorim exerceu outras atividades profissionais, principalmente na área do magistério superior, chegando a se aposentar como professor da Universidade Estadual do Ceará (UECE), após décadas de profícuo desempenho docente. Nesse trabalho em torno da educação, não se pode esquecer sua atuação como dirigente maior da FUNEFOR e como conselheiro no Conselho Estadual de Educação. Todo esse itinerário de vida não o afastou de suas raízes. Assim é que sempre retorna para sua vila de Mangabeira onde nasceu, se batizou e se crismou sob as vistas de São Sebastião, o padroeiro e protetor daquele povo simples e bondoso. Também nunca deixou de frequentar o sítio Taquari onde nasceu e viveu por bastante tempo, seu pai, seus avós e bisavós. Aquela comunidade tanto o atrai que no lugar da casa onde nasceu seu pai e morou seu avô, Canuto, ele ergueu casa nova de veraneio e cultivou pomar com variedades hortifrutigranjeiras que impressionam os transeuntes que por ali passam. Padre Amorim sempre teve a preocupação de, além de promover o bem-estar espiritual de seus paroquianos, direcionar os familiares das novas gerações para o caminho da educação e da religiosidade. Sempre que vai ao Taquari, dedica cada manhã para celebrar missa em casa diferente daquele sítio. Nesses momentos, sempre há um dos seus familiares ajudando no cerimonial religioso. Não é pois sem razão, que ao longo desse seu livro de memórias encontrem-se textos poéticos de seus parentes Rubens Lemos e Vicente de Paulo Lemos, ambos exímios produtores de poesia popular telúrica. Além deles há depoimentos transcritos de irmãos, sobrinhos e religiosos que com ele têm convivido. Essa religiosidade do autor vem de suas raízes ancestrais e é por isso que ele não esquece de homenagear os outros três padres de sua geração que são originários de Mangabeira. Ele homenageia Padre Raimundo Nonato Dias, Padre Luís Antônio dos Santos e Padre Raimundo Ricardo. Esse quarteto, completado com ele, é representativo das quatro principais famílias do lugar. Isso mostra a religiosidade daquela comuna que se amplia em cada morador. É nesse rumo que Padre Amorim, no seu livro também homenageia religiosos com quem conviveu ao longo de sua vida religiosa. É então que vão pontificando: Padre Alzir Sampaio, vigário de Lavras; Padre Antônio Vieira, escritor; Dom Francisco de Assis Pires, Bispo do Crato; Monsenhor Pedro Rocha, Reitor do Seminário do Crato; Padre Redondo, diretor espiritual do Seminário do Crato; Padres Antônio Lourenço e Nestor, salesianos; Padre Antônio Alves, o disciplinar do Seminário; Monsenhor Hélio Campos, vigário da paróquia do Pirambu; Padre Tomé; Padre Teodósio; Dom Antônio de Almeida Lustosa; Padre Luna e Padre Onofre; Dom Vicente de Araújo Matos; Monsenhor Feitosa; Dom Newton Holanda Gurgel, bispo emérito do Crato; e muitos outros religiosos vão entrando na cena do livro, mostrando a importância que tiveram e compondo o tecido do texto. Por falar em texto, a narrativa memorialística do Padre Amorim é elaborada em linguagem primorosa, sem artifícios que dificultem o entendimento do leitor, e ao mesmo tempo sem decair para o simplório. É uma composição bem urdida, onde cada pedaço de sua vida vai se emendando com outro logo em seguida, dentro de uma tecitura cronológica que termina por compor uma narrativa linear de fatos entrelaçados. Ao mesmo tempo é um retorno em busca das raízes, como forma de recompor a construção do edifício da vida a partir da solidificação de seus alicerces, dando um sentido maior ao fato de estar no mundo.

 

08/12/2009.

 

2 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comentarios


bottom of page