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Mecenato e leitura

Batista de Lima



A pregação da leitura em grandes centros não é tão fácil. Daí que fazer com que uma pequena comunidade sertaneja crie o hábito de ler é algo que exige um esforço hercúleo. É preciso muito poder de convencimento. É preciso muita persistência. Essa comunidade é Mangabeira, distrito de Lavras, a 420 quilômetros de Fortaleza, que com seus cinco mil habitantes, possui uma biblioteca, a seu dispor, com dez mil volumes. O empreendedor dessa façanha é o escritor Dias da Silva, que com seus próprios recursos fundou a Sala de Leitura José Cândido Dias. A homenagem ao pai, dando nome ao empreendimento, é pelo fato de que foi aquele cidadão que cedeu o terreno para a construção do prédio moderno. Autor de quase duas dezenas de livros de crítica literária, memórias e pesquisas, Dias da Silva precisa no entanto ser lembrado também por dois outros empreendimentos, essa sala de leitura e a editoração de jornais alternativos. Primeiro editou por mais de uma década o jornal ´O Catolé´, que teve mais de cem números publicados e distribuídos por todo esse Brasil e pelo exterior. Depois vem editando ultimamente ´O Binóculo´, no mesmo feitio e com o mesmo tipo de distribuição. ´O Binóculo´ circula da mesma forma que ´O Catolé´ e tem toda a sua distribuição feita pelo Dias da Silva. Os duzentos exemplares do jornal chegam às mãos e aos olhos de intelectuais e leitores comuns, via correios, às expensas do mecenas. Muitos desses leitores são remanescentes de ´O Catolé´ e divulgam, nas suas comunidades, o pequeno jornal, chegando alguns a reproduzir os artigos mais interessantes para a devida leitura. Muitos deles apreciam tanto o jornal que mesmo sendo gratuito, chegam a cobrar sua remessa diante de qualquer atraso. E interessante é que esse mensário circula de Fortaleza a Seul, de Mangabeira a Lisboa, do Ceará ao Rio Grande do Sul. Os colaboradores são tão variados que é possível encontrar um Francisco Carvalho, melhor poeta em atividade hoje no Brasil, ao lado de um imberbe estudante de escola pública do sertão que fez seu poema e mostrou qualidade. Todos os autores se empenham em ser publicados em ´O Binóculo´ porque seu tipo de texto não encontra guarida nos grandes jornais daqui e d´alhures. É por isso que surpreende o volume de textos que desemboca na casa do Dias, todos os dias. Daí ser necessário muito critério para a escolha dos publicáveis. Nessa hora vale, portanto, a qualidade. São muitos, pois, os valores que desabrocham em ´O Binóculo´. Começam publicando timidamente seus textos, mostram talento e com pouco tempo aparecem em antologias e finalmente em livros individuais. O jornal é composto de oito páginas onde iniciantes se pasmam em se verem publicados pela primeira vez e onde veteranos não se negam de aprimorar seu estro. Isso porque o gênero preferido dos colaboradores é o poético, exatamente aquele que encontra mais resistência para se veicular em órgãos de imprensa já consagrados. Mas também tem destaque a crítica literária em uma terra onde esse exercício praticamente inexiste. Essa constatação surge a partir do momento em que se avalia a grande quantidade de livros que são lançados em Fortaleza diante da pouca ou quase nenhuma crítica que existe. Os autores não têm uma avaliação daquilo que produzem. Essa dificuldade decorre do fato de que não há espaço para a publicação de crítica, e os resenhadores escasseiam a cada dia. Por isso que ´O Binóculo´ tem sua importância. Ele abre suas páginas para resenhadores, sendo o principal deles o próprio Dias da Silva, que além de ser um leitor voraz de obras literárias sempre escreve sobre o que leu. São tantas as resenhas feitas por Dias da Silva sobre os mais variados gêneros literários, que o jeito foi extrapolar as páginas de ´O Binóculo´ e de ´O Catolé´, anteriormente, para editá-las também em livro. Foi a partir daí que surgiu a coleção Da pena ao vento, que está para chegar a uma dezena de volumes e que veicula todo esse material de análise. Esses escritos privilegiam o autor cearense, o que configura uma fonte de pesquisa para quem quer conhecer melhor nossa literatura. Há autores cujas obras não foram comentadas por ninguém, a não ser pelo olhar papirador de Dias da Silva. Não é fácil, no entanto, editar e distribuir um jornal como ´O Binóculo´. Afinal, suas páginas não trazem comercial algum. Sua distribuição é gratuita. É preciso pagar ao digitador e ao diagramador. Depois há o gasto com o papel e também com as tarifas dos correios que cobram cada vez mais caro para que o jornal chegue ao seu destino. Ao lado de tudo isso há a seleção do material e a revisão dos textos. Tudo sem ajuda oficial, mesmo se sabendo da importância de ´O Binóculo´ como divulgador literário e promotor do surgimento de novos talentos, sem contar seu papel de criador de leitores não só para si como para outros itens de escrita que os novéis rebentos de leitura vão descobrindo neste vasto mundo da literatura. Iniciativas como essa do escritor Dias da Silva levam-nos a reflexões as mais variadas diante de algumas ONG(s) que grassam Brasil a fora patrocinadas por dinheiro público mas que não apresentam resultados. Seu exemplo e denodo, através desse mecenato, precisam ser reconhecidos por quem vive a gerir os dinheiros públicos, que são oriundos de nós contribuintes, e que muitas vezes tomam destinos obscuros. Também é um exemplo para aqueles que podem destinar parte dos seus grandes lucros para a promoção da arte e a interiorização dos bens de consumo lúdico que a indústria cultural faz questão de concentrar nas cidades de grande porte. O exemplo do professor Dias da Silva está aí. Sem alarde, na sua simplicidade, vai escrevendo na página branca do quase anonimato, uma lição de cidadania de que muitos de nós carecemos.

 

02/06/2009.

 

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