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Manoela Queiroz e as leis do tombamento

Batista de Lima




Manoela Queiroz Bacelar acaba de publicar seu livro "Tombamento / afetos construídos". É uma publicação de luxo, do IBDCult, de 2016, numa primeira edição de 2 mil volumes. As suas 256 páginas nos permitem conhecer os direitos culturais que respaldam o exercício dos tombamentos. Árido, esse início de resenha, quando se sabe que a autora debruçou-se sobre o manto da sua cidade, vasculhando a pele urbana sob a guia de uma sensibilidade incomum. Manoela tem pendor por arte, por memória, pelas raízes fincadas no chão que a viu brotar.

Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção não é apenas seu berço, mas a convergência entre a subjetividade de sua paixão pela cidade e a objetividade de tratá-la como objeto de pesquisa científica. Essa objetivação vai se emoldurando, à proporção que se efetiva em parâmetros legais que exigem um mergulho no vasto estuário jurídico existente. Daí sua decisão de inverter a trajetória ao abordar o tema, ou seja, começar se munindo da teoria em busca de justificar sua paixão. Nesse aspecto seus referenciais teóricos se configuram como o que há de mais consistente em teorias que alicerçam as normas do tombamento. Mesmo assim ainda há, segundo ela denuncia, muitas infrações a essas leis.

Sua pesquisa está dividida em quatro momentos, sendo o primeiro deles, uma resposta à pergunta "O que é tombamento?". Esse título inicial especifica etimologicamente o significado do termo, remetendo o leitor ao Direito Português e à Torre do Tombo, arquivo primeiro dos países lusófonos. Depois vêm as mais diversas conceituações do termo "Tombamento" emitidas por conceituados estudiosos. Acontece que ao final deste e dos outros três capítulos, a autora apresenta uma digressão. É exatamente nessas quatro digressões em que o leitor se vê sequestrado pela escritora porque é onde ela se revela mais liberta para emitir suas opiniões.

O segundo capítulo do livro, "A natureza jurídica", é o que suscita maior discussão. Por isso que ela apresenta cinco posicionamentos diferentes a propósito da natureza jurídica do tombamento. São juristas que se colocam de forma diversa sobre o mesmo tema. Daí a pergunta: o tombamento se encaixa "na moldura de servidão, de limitação, se apresenta como entidade ambígua, como figura especial diversa, ou ainda, a depender do efeito, como servidão ou desapropriação"? Ao fim dessa dúvida, o leitor quer saber logo qual a posição da autora diante dessa divisão de opiniões. Por isso ele vai procurar sua resposta exatamente na segunda digressão que vem com o título "Medir para conhecer, conhecer para mudar". Depois de muita estatística (medir e conhecer) vem a mudança e o exemplo cearense da interiorização da cultura.

No terceiro capítulo, Manoela Queiroz discorre sobre "Tombamento de coisa particular e direito à indenização". Primeiramente vem a demonstração de como o ente estatal se comporta de forma distinta diante do bem particular ou do ente público a ser tombado. Acontece que a ênfase está justamente na dicotomia público / privado quando se sabe que cada particular tem sua forma própria de reagir diante da iminência de ver seu bem ser tombado. Para ilustrar essa questão, ela apresenta o caso de um tombamento entre a Prefeitura do Rio de Janeiro e um proprietário de bem envolvido na operação. O caso, envolvendo o Cosme Velho (bairro onde morou Machado de Assis) e Laranjeiras (Bairro onde morou Carlos Drummond de Andrade), rendeu muitas demarches nos tribunais.

O momento culminante do livro se encontra no quarto capítulo, quando a autora tece "Considerações sobre o tombamento em Fortaleza". O leitor fortalezense entra em contato com a pele desfigurada de sua cidade. Toma conhecimento do que já foi destruído na nossa capital em verdadeiro desrespeito à memória e ao patrimônio públicos. Há até casos, citados pela pesquisadora, de bens públicos que mesmo depois de tombados chegaram a ser destruídos de inopino. Nesse momento do livro é que transparece não o apolíneo que reveste a pesquisa científica, mas o carinho e o amor que Manoela Queiroz tem pela cidade de Fortaleza. A cidade e a moradora se imbricam numa mesma atmosfera de preservação.

Para coroar esse capítulo sobre o tombamento em Fortaleza, Manoela Queiroz introduz no seu livro uma galeria de 67 fotos de página inteira de monumentos tombados em Fortaleza. Para isso ela contou com a parceria de Celso Oliveira, que com sua genialidade de fotógrafo, captou esse patrimônio através de imagens que pelos ângulos mostrados e a nitidez das cores, transportam o espectador para os ambientes fotografados. Depois, acrescente-se a singular arte de Campelo Costa que desenhou de forma singela os principais monumentos tombados da cidade. Esses dois artista com suas imagens e mais o zelo na diagramação de Eduardo Freire, fazem do livro uma obra de arte. Dá gosto tocá-lo como se estivéssemos tocando a pele da nossa cidade.

Ao final da leitura do livro "Tombamento", de Manoela Queiroz, conclui-se que estivemos em contato com uma pesquisa fundamental pelo fato de que ficamos diante de uma ampliação dos conhecimentos jurídicos que envolvem a prática do tombamento. Depois há o fato de que foi usado o método hipotético/ dedutivo, haja vista o cabedal de hipóteses apresentadas para solucionar a preservação do patrimônio cultural e material de uma cidade diante da legislação disponível. E finalmente conhece-se o posicionamento da autora da pesquisa diante dos monumentos de sua cidade, que também é nossa, Fortaleza, capital do Ceará. Nesse aspecto, verifica-se que se não fora o cabedal de afeto que Manoela possui por sua cidade natal, não teríamos agora um novo monumento a preservar em Fortaleza, no caso, esse seu livro "Tombamento: afetos construídos".


FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 20/12/2016.


 

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