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Luciano Maia e seus longes

Batista de Lima


Cada geração da Literatura Cearense possui seu poeta principal. Se retornarmos ao Romantismo, Juvenal Galeno é o destaque, desde “Prelúdios poéticos”, 1856, e de outros mais livros. No gênero soneto, no começo do século passado, Padre Antônio Tomaz é insuperável, mesmo não tendo publicado livro, seus poemas “Contraste” e “Verso e reverso” constam nas melhores antologias nacionais. No Modernismo da Geração de 45, Artur Eduardo Benevides é um referencial.

Depois desse três, surgiu o fenômeno chamado Francisco Carvalho, cuja obra completa não possui oscilações de qualidade. Na minha geração, entretanto, depois dos quatro citados, a figura de Luciano Maia tem sido uma revelação. Depois de “Rostro Hermoso”, 1997, “As tetas da loba”, 1995 e “Os longes, 2017, ancorei em “Memória das águas”, em que não ouso colocar a data para não irritar o Rio Jaguaribe que não possui data de nascença. Quanto ao restante de sua obra, que já ultrapassa as duas dezenas de publicações, nada se perde.

Poeta da memória, Luciano tem cantado principalmente o seu quintal da infância e da adolescência. É uma poesia que traz as águas mal comportadas do rio Jaguaribe, devidamente domadas em versos metrificados de sonetos de adubação. Por isso que em alguns momentos pensa-se estar diante de um poeta da Geração de 45. Isso decorre do seu aprumo verbal com tudo meticulosamente esquadrinhado em quartetos e tercetos. Seus quatorze versos decassilábicos com metáforas de fino acabamento formam o ponto alto de sua poética.

Na última incursão que fiz ao seu roçado poético, lá estava, entre tantos, “Os longes”, coletânea de 80 páginas, cada uma ocupada por um soneto de rara tescitura. “Estão os mortos sempre a nos lembrar / que apenas nos precedem no lugar / para onde iremos … esta sorte crua”. Sua poesia confessional nesse livro se redime de ter cortado o cordão umbilical, fazendo o caminho de volta numa reconstrução do itinerário do retorno à mãe. Limoeiro do Norte, cidade plana do interior cearense, surge plena nas suas memórias nesse e nos outros livros seus.

Entretanto, não só de plamuras se faz a poesia de Luciano. Quando ele aborda “A voz da pedra”, consegue extrair do mineral uma fala só ouvida pelos vates. Quando compara a cidade antiga com a atual, trafega do “primado dos sonhos” ao “apostolado dos medos”. Quando aciona “Os longes” se refere aos “dentros de abolidas alegrias”. Do menino do catavento ao homem degredado, instaura-se a distância entre a infância nos longes do interior e o bulício da cidade grande dos dias pertos. Assim sua poesia vai marcando dois polos distintos de vivência que o estica entre saudades e distâncias.

Por fim, verifica-se que a poesia de Luciano Maia é um relâmpago na noite opacada, uma saudade de um tempo em que vivia “de tudo sem nada”. Assim, é preciso resistir a uma falta já que “nada mais é como antes”. Afinal, o menino que pregava sonetos em cartolinas nos bares da cidade em que nasceu não é o mesmo carregado pelo poeta que hoje desfila pelas artérias da cidade grande, carregando às costas o peso do mundo que pouco pesa diante da necessidade que seu canto impõe. A poesia range hoje no seu viver como os cataventos da sua primeira pátria.


FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 07/05/19.


 

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