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Louco por cinema

Batista de Lima


Um crítico de cinema tem que ser, antes de tudo, louco por cinema. Antes de crítico, cinéfilo. Desses que assistem ao máximo de filmes para ter uma visão global antes da visão particular do que assiste. Há escolas, estilos e fases, até a história do cinema que já acumula uma bibliografia imensa em torno da sétima arte. Não é fácil, pois, trafegar por esses caminhos que possuem, como primeira estação, as salas de projeção. Não é fácil estar antenado com tudo o que está sendo produzido por aí.

Para se ter uma dimensão do árduo ofício de escrever sobre cinema, que se leia "Ensaios de cinema", de Luís Geraldo de Miranda Leão. É um manancial tão grande de informações e comentários que dá a impressão de que L.G. tem passado seu tempo todo ou em salas de exibição, ou lendo sobre cinema, ou ainda agindo nas duas direções. Mas não é bem isso, quando se sabe que ele se aposentou como funcionário do Banco do Nordeste e ao mesmo tempo como professor da Universidade Estadual do Ceará.

Professor de Inglês da UECE, muito criterioso na sua didática, como testemunhou este escriba, seu aluno, teve antes, 10 anos de docência no IBEU. Estudou em Nova Iorque e ali manteve contato com o cinema americano da época. Curioso saber que ainda garoto, presenciou as filmagens de Orson Welles no Mucuripe, em torno da saga do jangadeiro Jacaré. Além de toda essa atividade, ainda dispôs de tempo para se tornar exímio enxadrista, organizador de torneios em nossa cidade. L.G. pertence à Academia Cearense da Língua Portuguesa desde sua fundação.

Como todo crítico de cinema, observam-se, nos seus estudos, as preferências pelos estilos e as intertextualidades. Daí que é fácil verificar sua facilidade de trafegar pelas produções de François Truffaut, tanto do que produziu para as telas como dos escritos no Cahiers du Cinéma. Por falar nisso é fundamental seu conhecimento da Nouvelle Vague, com a renovação do cinema francês e sua importância para a intelectualização do cinema europeu, com seu respingar em novos diretores americanos. Luís Geraldo é ensaísta zeloso quando trata desse assunto, pois conhece-o a fundo.

Esse seu zelo se mostra enfático quando escreve o ensaio "Macarthismo e a Caça às Bruxas: Olhar retrospectivo". É que ele fundamenta historicamente esse episódio a partir da frase de Santayana de que "quem esquece o passado está condenado a revivê-lo". Daí que vêm à tona no seu introito a esse ensaio episódios bem anteriores como as feiticeiras de Salém, a Inquisição com suas 32.000 vítimas, o holocausto na Segunda Grande Guerra. A partir daí ele chega ao cinema americano e o que sofreram Shirley Temple (com 10 anos de idade), Fritz Lang, John Huston, John Ford, Bertold Bretch, Jules Dassin, Joseph Losey e Charles Chaplin, entre outros.

Essa galeria de cineastas americanos e os franceses, além do seu passeio pelo cinema alemão, deixam no leitor cinéfilo aquela expectativa de encontrar os cineastas italianos, no livro. Acredito que deva ter ficado em outro de seus livros. O neorrealismo de Rosselline e De Sicca, os clássicos de Antonioni, Visconti, Scola e Fellini, as comédias de Monicelli e Dino Rissi povoam nossa memória e escrevem o momento de ouro do cinema italiano, que nunca mais foi o mesmo. Isso tudo sem falar em Pasoline. Quanto a Fellini, que cena antológica, Anita Ekberg (Anitona) se banhando na Fontana di Trevi no filme "A doce vida", de 1960.

Se isso for considerado uma lacuna a ser preenchida no livro, ela se eclipsa com seu texto sobre Bergmann. Ernest Ingmar Bergmann tem tratamento especial no livro, o que demonstra a simpatia de L.G. pelo cineasta sueco. Sua ênfase quando comenta "O Sétimo Selo", principalmente acentuando a célebre cena do jogo de xadrez entre o cavalheiro egresso das Cruzadas e a Morte faz com que reconheçamos ser uma das cenas antológicas da história do cinema. O mesmo ele faz ao descrever a cena do relógio sem ponteiros em plena rua em "Morangos Silvestres", bem como as relações entre Bibi Anderson e Liv Ulman em "Persona".

Toda essa simpatia de L.G. pelos filmes de Bergmann leva ao único momento do livro em que ele trata do cinema brasileiro, e exatamente por aquele cineasta nosso mais influenciado pelo diretor sueco. Trata-se de Walter Hugo Khouri. O ensaio que lhe é dedicado pode ser considerado a culminância do livro. Esse cineasta brasileiro, autor de uma extensa filmografia, influenciado por Bergmann, Antonioni e Fellini, trabalhou em sua obra introspecções e erotismo, principalmente em um momento político brasileiro de exceção em que a moda era o apelo social, era o filme político. Entretanto foi Luís Geraldo de Miranda Leão quem sempre visualizou a importância de sua obra, muito antes de alguns críticos que agora, mudando de opinião, veem a grandiosidade de Khouri.

Finalmente chega-se ao final do livro com a sensação de que se assistiu a um festival de clássicos do cinema de todos os tempos. Isso porque L.G. faz uma leitura ao mesmo tempo apaixonada e objetiva do que é grandioso da sétima arte. Esses seus "Ensaios de Cinema" podem figurar em qualquer bibliografia de pesquisas sobre o assunto. Afinal, seus escritos são tão verossímeis e impessoais, às vezes, que se constituem em um livro didático indispensável para quem estuda cinema.


jbatista@unifor.br

16/08/11.

 

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