top of page
  • Foto do escritorBatista de Lima

Livro matuto do professor vaqueiro

Batista de Lima


O nome do narrador é Otacílio Bezerra Bonfim. Idade, 97 anos. Nascido, criado e registrado em Crateús – Ce. Começou tangendo gado, de jibão, culminou como professor. Para isso fez o Mobral, depois de maduro e o Curso Normal, já idoso. Trocou o jibão pela bata e virou exemplo na cidade. Faltava, no entanto, escrever sua trajetória de vida, para impressionar as novas gerações. Daí esse seu “Livro matuto das meditações”, com suas 231 páginas ilustradas de fotografias, e editadas pela Expressão Gráfica e Editora, em 2018.

Nesse livro do Otacílio, tudo pode ser encontrado, de poemas a receitas para mordida de cobra, de secas a invernos, de orações fortes a declarações de amor. O leitor pode encontrar os nomes de todos os municípios do Ceará, com suas respectivas populações e as regiões estaduais em que se situam. É bom saber que o primeiro nome de sua cidade foi Piranhas, passando depois a ser Crateús, em homenagem aos índios que habitaram a região. Esses índios foram mortos ou expulsos de suas terras pelos primeiros colonizadores ali chegados.

No primeiro momento do livro, o leitor toma conhecimento da origem das famílias Bonfim e Bezerra. Até os brasões dessas famílias, com genealogia europeia, vão aparecendo e impressionando o leitor com tantas informações e saberes, cantadores e contadores de histórias, medicamentos e meizinhas. Nesse momento Frei Hermínio Bezerra, seu sobrinho, dá o tom religioso dessa andança literária, e Haline Melo lhe ajuda na digitação do calhamaço de dizeres. Até conselhos de bem viver, temperados de causos e contos vão desfilando pelas páginas.

Interessante é que em todas as partes do livro há sempre alguma referência à educação. Entretanto, quando aparece a professora Maria Delite Menezes Teixeira (1918 – 2011), toda uma ternura se esboça em torno dessa educadora que lecionou para várias gerações da cidade. Outro momento que emociona é quando o autor se refere à seca de 1958 e ao consequente êxodo rural da região, principalmente em direção ao Planalto Central, para a construção da cidade de Brasília. De Crateús, bem como de muitas outras cidades cearenses, levas de retirantes migraram na ocasião, indo ser candangos na futura capital do país.

Otacílio não deixou sua terra. Com sacrifício, suportou as agruras das secas e resistiu. Aprendeu com seu povo as manhas e artimanhas da vida no inóspito. Aprendeu tanto com seu povo, que se tornou também um místico, com suas meditações, seus dizeres e provérbios. Aproveitou, em seguida, para citar os principais sobrenomes brasileiros, dando-lhes o significado e sua origem histórica. Está nessa pesquisa quando repentinamente muda para a história de Crateús, com suas efemérides e indicativos econômicos que vão surgindo. Esse mau comportamento na dinâmica da narrativa quebra a rotina e facilita a leitura.

Esse livro matuto, de Otacílio Bezerra Bonfim, é para ser lido no alpendre de uma casa sertaneja. Para essa leitura é importante a presença de algumas vacas por perto, badalando seus chocalhos. Também que haja algum ouvinte por perto para que nos intervalos da leitura outras histórias sejam contadas. Por isso que o livro é instigante. Ele nos transporta a uma cena rural para onde seu Otacílio retorna, vaqueirando histórias de vida e ensinando aos seus leitores a arte de viver bem, fazendo amigos.


FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 26/02/2019.



 

4 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comments


bottom of page