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"Literatura Cearense pós-AI-5"

Batista de Lima




Após 1968, tivemos alguns anos de marasmo literário no Ceará. Só pontificavam algumas antologias do Clube dos Poetas Cearenses, organizadas por Carneiro Portela, algumas manifestações da "Ala", na casa de Juvenal Galeno, e publicações do Grupo Clã, que desde os anos 1940 vinha permanecendo na ativa, embora que se fechando às novas tendências, tivesse povoado a Academia Cearense de Letras e dado um certo fausto ao Curso de Letras da Universidade Federal do Ceará. Afora isso, esse período, que vai de 1968 a 1976, conta ainda com a resistência renitente de escritores independentes, "avis rara" na literatura cearense, tanto na época, como ainda hoje. É o caso de Jáder de Carvalho, José Alcides Pinto, Francisco Carvalho, Caetano Ximenes de Aragão e José Lemos Monteiro.

Finalmente surgiu o ano de 1976 e o arraial literário cearense entrou em movimentação com o surgimento de "O SACO". Da segunda metade do século XX foi o grupo mais amadurecido, o mais consistente e o de maior alcance em termos nacionais. Era comum, na época, encontrar-se, em bancas de jornais do Rio e de São Paulo, "O SACO" exposto à venda e sendo comprado. Talvez esse milagre tenha ocorrido, graças às pessoas que lhe estavam à frente: Manoel Coelho Raposo, Jackson Sampaio, Nilto Maciel e Carlos Emílio Correira Lima. Para que se conheça melhor esse grupo, que se leia "Cultura e imprensa alternativa", de Alexandre Barbalho, editado pela Editora da UECE, em 2000.

Passou "O SACO", que só chegou a sete números, e então entrou o grupo Siriará. Surgiu a figura de Rogaciano Leite Filho, dirigindo página de literatura de jornal local. O grupo tinha como suporte, aquela página. No dia em que começaram a censurá-la, o grupo começou a perder forças. Muita coisa foi feita, no entanto. Desde a cobertura dada à reunião do SBPC, em 1979, aqui em Fortaleza, à divulgação em nível nacional, de um manifesto muito bem confeccionado por Jackson Sampaio, Adriano Spínola e Carlos Emílio Correia Lima. Mas um dia resolveu-se discutir a produção literária do grupo. Foi o fim.

Ficou, de qualquer modo, a produção literária surgida durante e após o Siriará. E dos grupos recentes é o que traz maior e melhor produção, principalmente em livros. Com o seu desativamento, surgiram: O Arsenal, já desativado, o Nação Cariri, O Comboio, O Porão, a Revista Pássaro, O Catolé, Um Jornal Sem Regras, Chapéu de Couro e outros mais, todos, no entanto, sem o poder de mobilização que teve o grupo Siriará. Isto porque, os movimentos pós-Siriará trazem contra si, o fato de se fecharem às ideias e às manifestações que não lhes forem afins. O Siriará teve o poder de aglomerar todas as tendências. Se para uns esta foi sua grande virtude, para outros, foi seu grande pecado. O grupo perdeu-se no seu próprio questionamento.

Feita esta delimitação, evidencia-se a grande incidência de grupos na nova Literatura Cearense, como tem ocorrido em toda sua história literária. Esse fenômeno comprova que o autor sozinho é impotente para romper os entraves no esquema de promoção e divulgação das obras. A Literatura Cearense tem sido, por conseguinte, uma literatura de mutirão. E continuará sendo, enquanto o colonialismo cultural fizer do eixo Rio - São Paulo o direcionador maior da indústria cultural brasileira. Um outro questionamento em torno da recente Literatura Cearense leva-nos ao julgamento do nível de produção.

Sabe-se perfeitamente que é grande o número de títulos editados ultimamente no nosso Estado. É lamentável, no entanto, que a qualidade dessas obras não ande paralelamente à quantidade. Qualquer pessoa que reúne alguns textos, vai a uma gráfica, edita e é mais um livro e um escritor na praça. O resultado é que há subliteratura com capa plastificada e páginas ilustradas para não dizerem, nem acrescentarem nada. Já houve até livro lançado em branco.

Quanto à crítica, é forçoso concluir que seu cultivo não tem correspondido à produção literária. Quando se lança uma obra, os amigos mais chegados fazem seus comentários elogiosos, deixando o escritor privado de uma abordagem sincera sobre o que escreveu. Isso não é uma praga apenas local, é um modismo nacional.

Como se vê, esse momento da Literatura Cearense é pródigo em bons valores. Falta, no entanto, uma política de distribuição da obra literária. É preciso que nossa literatura ultrapasse nossos limites geográficos, que nossos cursos de Letras se libertem mais dos seus currículos desumanos e valorizem mais os autores locais. É necessário que nosso sistema educacional se coadune com os reclamos do nosso povo, popularizando mais esta cultura cearense. É ainda necessário que haja uma maior aproximação entre a poesia e a música, entre a literatura e o teatro.

Essa permanente existência de grupos literários na nossa literatura é enriquecedora, e faz com que nenhum escritor cearense até hoje tenha prescindido desse comportamento gregário. Enquanto nos agrupamos, estamos também construindo nossa cearensidade, resistindo nessa epopeia dos que ficam, e não formando gerações de paus-de-arara, candangos e arigós.

Há no entanto alguns fatores que caracterizam o momento atual da Literatura Cearense. Primeiramente, não há nenhum grupo literário em evidência. Parece que as facilidades de editoração que vão surgindo, vão diminuindo as necessidades das pessoas se agruparem. Depois há a proliferação de prêmios literários, que dá uma certa movimentação entre os que fazem literatura. É o caso do Prêmio Ideal Clube, do Prêmio Osmundo Pontes, do Prêmio Unifor, etc.

O grande problema atual na Literatura Cearense é a falta de uma crítica sobre a produção dos últimos anos. O trabalho de Sânzio de Azevedo pode ser observado até 1976 com o seu livro A Literatura Cearense. A produção literária, dessa data até hoje não foi estudada, questionada. Uma grande literatura precisa vir paralela a uma crítica literária bem maior.


FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 18/10/2016.


 

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