top of page
  • Foto do escritorBatista de Lima

Lavras chora Rembrandt

Batista de Lima



Rembrandt de Matos Esmeraldo, nesse último 21 de março, enquanto lia um dos clássicos da Literatura, em sua casa, em Lavras, cochilou um pouco, e não acordou mais. O livro aberto entre as pernas continuou sendo lido pelos óculos que teimosamente permaneceram na ponta do nariz. O coração e a razão pararam a leitura.

Afinal, Rembrandt era assim: razão e emoção abraçadas, digladiando no seu viver. Foram 66 anos de profícuo plantio de amizades e poemas por onde passou. Não esqueceu, no entanto, de cursar Direito, tornar-se promotor e adotar Lavras como sua última pátria.

Quando nos conhecemos, em 1970, no Clube dos Poetas Cearenses, na Casa de Juvenal Galeno, ele pré-universitário, dizia que faria Letras, e fez Direito. Eu dizia que faria Engenharia, fiz Letras. São as curvas que nos impõem as trilhas da vida.

Depois me disse que era de Pedra Branca, nascido em 1951. Nas nossas reuniões, aos sábados no Clupce, contávamos com a companhia de uma plêiade de jovens promissores poetas. Eram tantos que só dá para citar aqueles mais atuantes como Carneiro Portela, Pádua Lima, Mário Nogueira, Élder Ximenes, Edgar Marçal, Iton Lopes, Josênio Parente, Bené Fonteles, Gerim Cavalcante, Torres Veras, Mário Gomes, Nelson Freitas, Pedro Albino, Walden Luiz e Zelito Magalhães.

Depois vieram outros colegas como Aírton Monte, Jackson Sampaio, Márcio Catunda, Arlindo Araújo, Cleonam Fontenele, Edmar Paixão, Fátima Dourado, B. C. Neto e Rosemberg Cariri. Uma coisa é certa, quem falava mais alto era Rembrandt. Já era um orador feito, destemido, letrado, marxista e leitor viciado em literatura russa.

Logo na primeira Antologia do nosso grupo ele já desponta com um poema denunciando o sofrimento dos cassacos nas frentes de serviço, nas ocasiões de seca no Ceará. Já na "IIª Antologia dos Novos Poetas do Ceará", aparece com um poema de amor desiludido. Rembrandt era assim, imprevisível.

A "IIIª Antologia Os Novos Poetas do Ceará", de 1972, traz um Rembrandt atacando o capitalismo com o poema "New York". Nessa Antologia, quando escreve sua biografia, já avisa que "trabalha para estruturar e colocar em funcionamento a Cooperativa Cearense de Publicações" que antes de funcionar já o tem como seu Diretor-Presidente. Além disso há outros sonhos, que são citados, que se realizados o tornaria o maior empreendedor de Pedra Branca. Rembrandt era assim, sempre um pouco além dos acontecimentos.

Entre Lavras e Aurora desenvolveu seu trabalho em busca da aplicação da lei. De bicicleta, moto ou carro, circulava a trabalho entre as duas cidades, o coração fazendo amigos mas a razão seguindo a letra da norma de forma positivista. "Dura lex sed lex" de um lado e de outro, a alma aberta para os desvalidos que o procuravam. Fez de Lavras seu ninho, sem o menor temor das debacles políticas que ali se desenvolveram. Cidade de cenas fortes, aquela urbe curvou-se com o tempo à sua capacidade de separar o joio do trigo. O promotor e o poeta sobreviveram por longos anos em perfeita harmonia.

Rembrandt iniciou sua carreira de Promotor em julho de 1984, na sua cidade natal, Pedra Branca. Depois atuou nas cidades de Camocim, Lavras da Mangabeira e finalmente em Aurora. No período em que esteve na Região do Salgado teve esporádicas atuações em Baixio, Umari e Ipaumirim. Mesmo com todo o trabalho que desenvolvia, ainda teve tempo para cursar Filosofia na Fafic de Cajazeiras. Apesar dos seus vinte anos na Comarca de Aurora, não deixou de residir em Lavras, sua cidade do coração.

Também ingressou na Maçonaria, em que teve destacada participação. Mesmo assim, foi sempre um dedicado promotor, reconhecido pelo Ministério Público do Ceará. Que o digam aqueles que atuaram ao seu lado em cada fórum por onde passou. Principalmente em Lavras da Mangabeira, o Dr. Rembrandt angariou a admiração daquela gente que o tinha como um homem probo, respeitável e atuante, sem esquecer nunca o riso fácil e o respeito pelos desafortunados.

O Dr. Rembrandt de Matos Esmeraldo, de sonhador poeta ao correto ofício da Promotoria, separou muito bem o homem diurno e dinâmico operador do Direito, do homem noturno poeta plantador de metáforas. Vestiu-se de Lavras e se tornou mais lavrense de que muitos que ali nasceram.

Incorporou o estilo lavrense de viver e se lá não nasceu, foi lá onde mais viveu. Conquistou a cidade não com os bacamartes que outros tentaram em vão, mas com o exemplo de vida, com a alegria e o afeto que dedicou àquele povo.

É tanto que ingressou merecidamente na Academia Lavrense de Letras com a aquiescência de todos os seus pares. Por todos esses motivos é que Lavras chora Rembrandt.


FONTE: Diário do Nordeste - 04/04/2017.


 

3 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comments

Couldn’t Load Comments
It looks like there was a technical problem. Try reconnecting or refreshing the page.
bottom of page