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Lançamento de livro

Batista de Lima



Fortaleza tem sido palco de um lançamento de livro para cada dia do ano. Para quem quiser tirar a dúvida, é só contar. Afinal, se temos a estatística exata de quantos carros novos foram vendidos durante o ano na nossa capital, não será difícil calcular quantos livros foram lançados. Acontece que os carros novos têm um padrão de qualidade e um prazo de garantia. Com relação aos livros, essa qualidade não é garantida. Tudo isso decorre da facilidade que se tem hoje em editar um livro, principalmente se sabendo que nossa cidade possui mais de duas dezenas de editoras, todas com suas promoções e facilidades para editar livros. Esses livros têm às vezes como único meio de comercialização o lançamento em algum local de freqüência de público da cidade. Esses locais antigamente se restringiam às livrarias. De um lado a Renascença, de Luís Maia, e de outro, a Ciência e Cultura, do Aníbal Bonavides. Na primeira, os componentes do Grupo Clã fizeram história, na segunda, os livros mais politizados. Lembro-me perfeitamente do lançamento do livro do Gregório Bezerra, na livraria do Aníbal Bonavides. Foi numa tarde calorenta de autógrafos, no momento mais cruel da ditadura. Gregório havia sido escorraçado nas ruas de Recife, arrastado em via pública em direção ao calabouço de Itamaracá. Depois de solto escreveu sua saga e convidou Tarcísio Leitão para fazer a apresentação. Todo o PCB cearense se apinhava na livraria quando Tarcísio ergueu-se sobre um caixão e começou bradando: "_ Camaradas Comunistas!" Fez então um dos mais inflamados discursos a que já assisti. Essas duas livrarias fecharam e os lançamentos passaram a se realizar na Casa de Juvenal Galeno ou no Náutico Atlético Cearense. Na casa de Juvenal Galeno funcionavam várias entidades culturais, entre as principais estava o Clube dos Poetas e a Ala. Lá funcionava a Editora Henriqueta Galeno, que editou vários livros, e abria as portas do vetusto casarão para históricos lançamentos e o natal dos poetas. Em um desses natais o poeta Juarez Leitão interpretava um poema de sua lavra em homenagem a Fafá de Belém. Era um poema por demais sensual e enfatizava o tamanho dos seios da cantora. Quando ele gesticulava de mãos em concha, despencou uma manga jasmim da parte mais alta da mangueira, espatifando-se na sua cabeça e sujando-lhe a roupa branca. A festa era sempre debaixo dessa enorme mangueira. O impacto foi tão grande que o poeta interpretante sentou-se zonzo. Algumas matronas presentes vaticinaram que o espírito de Galeno estava se vingando da ousadia de Juarez. Com relação ao Náutico, grandes lançamentos ali se realizaram sempre tendo Carlos D´Alge como mestre de cerimônia. Ficou na história, o lançamento do famoso Relicário Pornô, de José Alcides Pinto, que diz o folclore que algumas penas de pavão foram distribuídas para alguns presentes, nos moldes e com a finalidade da que é exposta na capa do livro. Mas foi ali também que fui apresentar o livro de poemas de um ex-aluno. Era noite chuvosa, de trovões e relâmpagos, mas lá estávamos eu, Carlos D´Alge, o autor, a mãe, e a namorada. Ninguém mais foi. Um garçom esperava com salgadinhos e guaraná e um garoto numa mesinha com os livros para vender. Fui apresentado pelo mestre de cerimônia, fiz meu discurso por escrito, o autor agradeceu e o D´Alge encerrou a solenidade diante de nós seis. Quando descia as escadas do clube o rapaz e a namorada riam na neblina. É que ele trouxera dez livros para vender e ia voltando com onze, tendo em vista que o vendedor da banquinha esquecera e devolvera o que havia recebido de presente. Talvez tenha sido esse o lançamento de menor para dizer nenhuma vendagem. Apesar de em outro, com a presença de Dimas Macedo e Juarez Leitão, uma jovem autora quando notou que ninguém comprara o seu livro, em pleno lançamento, mandou distribuí-los gratuitamente e terminou havendo fila para autógrafos. Mas já houve lançamento em Fortaleza, no Ideal Clube, em que um milheiro de livros foram vendidos. Ali destaca-se como mestre de cerimônia o José Teles e no Oboé, o Tarcísio Tavares. A questão desses lançamentos, muitas vezes, é o histrionismo que marca alguns deles. Ora, lançamento de livro não necessita nem de composição de mesa. Afinal diante de tantas academias que temos na cidade, se chamarmos para a mesa cada um dos presidentes corremos o risco de esvaziar a platéia. Se chamamos uns e outros não, arranjamos inimigos para o resto dos dias, diante das fogueiras de vaidades presentes. Assim sendo, basta o mestre de cerimônia abrir os trabalhos, convidar o apresentador para sua fala, depois passar a palavra ao autor para os agradecimentos e encerrar convidando os presentes para o coquetel e para os autógrafos. Fora isso, é pantomima e exibicionismo que causam sonolência nos convidados. Lançamento de livro em nossa cidade é o que não falta, no entanto, o público que comparece é quase sempre o mesmo. Acredito que se promovêssemos lançamentos também nas Universidades, teríamos a presença de um público jovem que tem se privado da frequência aos clubes elegantes da cidade. Também as livrarias da cidade poderiam promover lançamentos, oferecendo alguma vantagem para o autor. Talvez seja a Livro Técnico a única que tem feito isso lá no Centro Dragão do Mar, mesmo diante do barulho infernal que decorre às vezes quando algum show ocorre na praça daquele Centro. Finalmente pode-se dizer que com todos esses percalços o lançamento do livro, principalmente para o autor iniciante, ainda é, entre nós, a melhor forma de divulgação. Isso não veicula, em muitos casos, o circo que às vezes se arma e o acepipe em forma de coquetel, à qualidade da obra. Afinal o nosso melhor poeta em atividade, um dos melhores da literatura brasileira de nossos dias, Francisco Carvalho, publica um livro por ano, de alto conteúdo literário e jamais fez um lançamento.

 

15/09/2009.

 

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