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Jurandy Temóteo e a repressão cratense

Batista de Lima


A repressão militar no Crato atingiu estudantes, bancários, professores e comerciantes. A partir de 1964, mais de uma dezena de cratenses foram presos na cidade, encaminhados para Juazeiro e, posteriormente, para Fortaleza, ficando recolhidos no 10º GO. Toda essa saga dos cratenses perseguidos está no livro "Anos de chumbo: o movimento político estudantil e a ditadura militar no Crato", de Jurandy Temóteo. São 358 páginas de relatos, entrevistas e uma coletânea de fotos da época, tudo aos auspícios da Província Editora.

Os relatos estão centrados, principalmente, entre os anos de 1964 e 1985, e trazem à luz uma história, em geral, guardada em uma zona sombria. Em parte daquele tempo, 1962 a 1966, estava eu como seminarista no Seminário Apostólico Sagrada Família e, principalmente a partir do 1º de abril de 1964, acompanhava, com os colegas internos, os relatos, por rádio, da movimentação das forças revolucionárias. Havia um rádio à nossa disposição e uma certa torcida de determinado padre do seminário em prol dos militares que paulatinamente iam tomando o poder.

Jurandy Temóteo, que também estudara naquele seminário dirigido por padres alemães, como mostra no livro, não revela o período. Acontece que ao relatar a visita de Castelo Branco, ao Crato, no dia 21 de junho de 1964, nas comemorações do bicentenário do município, fez-me lembrar que eu estava presente na Praça da Sé, à tarde, ouvindo o Presidente falar. É evidente que nós seminaristas estávamos ali porque os colégios do Crato foram mobilizados com seus alunos para se fazerem presentes à Praça. Era a primeira vez que Castelo Branco vinha ao Ceará como Presidente da República. E veio a convite do Senador Wilson Gonçalves, filho do Crato. Aquele ato também tinha seu lado revelador. É que a igreja, os fazendeiros e os políticos da cidade eram favoráveis aos militares.

Os que eram favoráveis à manutenção de João Goulart na presidência, já que eleito fora, pelo povo, foram perseguidos e prejudicados nos seus empregos. Foram presos: José Belchior Silva (Banco do Brasil), Juvêncio Mariano dos Santos (comerciante), Saturnino Candéia do Nascimento (sindicalista), José de Figueiredo de Brito Filho (Banco do Brasil), Francisco Ivan de Figueiredo (comerciante), Luiz Gonzaga Bezerra Martins (comerciante), José Kleber Callou (bancário) e Raimundo Coelho Bezerra de Farias (médico). Essa foi a primeira leva de presos, pois, em outros momentos posteriores, outras prisões foram efetuadas, como aconteceu com Eudoro Santana, José Valdesley Alves, Sílmia Sobreira da Silveira, Jefferson Albuquerque Júnior, Elói Teles, Geraldo Formiga e Ernani Brígido e Silva, entre outros.

Não se pode dizer, no entanto, que todo o clero cratense era defensor do movimento militar. Havia padres progressistas. Jurandy Temóteo cita principalmente o padre Antônio Gomes de Araújo e o padre Antônio Vieira. Com relação aos padres alemães do Seminário Sagrada Família, ele os inclui na igreja progressista. Cita inclusive o padre Frederico que chegou a ser vigário da Igreja de São Vicente, que ficava ao lado da casa da família de Miguel Arraes. Também cita que, em 1967, houve um congresso no Sagrada Família que hospedou vários estudantes em preparação para ir a Ibiúna.

Essa informação sobre o encontro dos estudantes, no Seminário, é citada por Emerson Monteiro, na sua entrevista, como tendo acontecido em 1967. Já Marcos Cunha, se referindo ao mesmo acontecimento, cita 1968 como o ano do encontro estudantil no Sagrada Família. Diante das duas datas para o mesmo acontecimento fica o leitor á espera da data certa para dirimir dúvidas. Não posso servir de testemunha por ter deixado aquele seminário em dezembro de 1966. Fato é que Marcos Cunha cita alguns dos participantes cratenses: Almir Pimentel, Rosemberg Cariri, Emerson Monteiro, Roberto Piancó, entre outros.

Esse livro de Jurandy Temóteo mostra um lado da história do Crato que os livros ditos oficiais não revelam. Enquanto esses perseguidos políticos eram presos e torturados, o Crato Tênis Clube fazia suas tertúlias para a fina flor cratense. A Quadra Bicentenário era palco de shows dos cantores da Jovem Guarda. Ali, à noite, quando não era o show, era o Campeonato de Futebol de Salão com sua torcida inflamada. Votoran, AABB, Drasa e Diocesano com seus times e torcidas mascaravam uma situação subterrânea de perseguições praticamente ignoradas pela elite.

O ponto alto desse livro é o que trata de Miguel Arraes. Cearense do Cariri, com sua família residindo no Crato, ele chegou a Governador de Pernambuco, eleito pelo povo daquele estado. No momento do Golpe, saiu preso do Palácio do Governo e foi cumprir prisão na Ilha de Fernando de Noronha. Dali, foi para a Argélia, voltando ao Brasil depois de 14 anos, após a Anistia. Toda a saga por que passou esse eminente brasileiro está contada nesse livro de Jurandy Temóteo. Só esse episódio daria um livro inteiro diante das perseguições que sofreu. Pelo menos em três oportunidades escapou de cilada armada pelo delegado Fleury, graças ao Serviço Secreto da Argélia. São histórias pungentes como essa, que compõem esse livro, que o torna indispensável para quem quiser conhecer melhor a história cratense que não foi contada. Jurandy Temóteo acaba de causar um grande bem à memória de sua terra.


FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 27/01/14.

 

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