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Histórias que não terminam

Batista de Lima




São sem fim, histórias para crianças. Depois de contadas elas se incorporam no imaginário infantil e vão se reproduzindo e se entrelaçando. Às vezes são até bordadas, porque histórias para criança vêm sempre cheias de beiradas. Criança tudifica o quase nada. Mesmo entrando pela perna de um pinto, sai pela perna de um pato e chega a inventar mais quatro. Se o adulto costura uma história, a criança enfeita com seus bordados. Por isso é preciso muita habilidade no diálogo com a criança.

Ela é muito sincera na conversa. Ao mesmo tempo a história a conforta, a embala. A história é um sonífero porque põe o ouvinte numa suspensão, ficando além de si próprio. É então que subjetividades começam a brotar pois a mente livre é receptora por estar mais aberta.

Imbuídos dessa perspectiva, é possível entendermos os conceitos, as cartas e os contos desse livro "Costurando histórias", organizado por Ana Paula de Medeiros Ribeiro, Cristina Façanha Soares e Tâmara Maria Bezerra Costa Coelho. Na apresentação, a professora Ana Paula afirma que o livro trata-se de uma coletânea fruto de um curso de extensão intitulado "Costurando histórias: o desafio de valorizar o prazer de ler e ouvir histórias nos espaços de educação de crianças". É o resultado de "estudos e pesquisas sobre narrativas orais e escritas junto a 30 professores da rede pública de ensino e estudantes da graduação em Pedagogia e da pós-graduação em Educação". Da experiência da mediação dos professores na contação de histórias, muitas descobertas são feitas e são relatadas e comentadas pelas professoras autoras.

O "Prefácio" da narradora profissional Tâmara Bezerra se funda numa viagem imaginária de trinta educadoras e contadoras de histórias. É uma viagem em busca de um lugar de encantamento propício à narração de histórias oralmente. As componentes dessa viagem possuem um ponto de partida que é a Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará, e estabelecem um itinerário de dez estações. Esse trem de histórias tem seu ponto de partida, suas estações determinadas, mas não precisa de ponto de chegada. Afinal, no mundo do encantamento, as trajetórias possuem seu ponto de partida, mas o ponto de chegada vai sendo construído no trajeto e não precisa ser alcançado, pois histórias para crianças não precisam de final por parte do narrador.

O importante é saber que a criança sabe mais ouvir do que falar. Enquanto isso, os adultos têm toda uma preparação educacional para falar cada vez melhor e não para uma escutatória progressiva. Os adultos rastreiam e prospectam os mais difíceis textos escritos mas não afinam seus radares para a audição das comunicações orais dos circunstantes. Daí o mérito dos autores dessa coletânea que auscultam palavras para sentir a pulsação de cada uma, partindo dos sintagmas para buscar os paradigmas, devassando profundidades. Então surge o mérito do "Prefácio", de Tâmara Maria Bezerra Costa Coelho, ao revelar que o grupo escritor partiu da construção de uma afetividade para que chegasse a uma efetividade.

Por falar em efetividade, o livro de 180 páginas foi publicado pela Editora da Uece, Universidade Estadual do Ceará, quando se sabe que o projeto é da Universidade Federal do Ceará, que possui uma Editora atuante e que já editou centenas de livros. Neste caso a Eduece incorporou essa publicação à sua Coleção Práticas Educativas, que já conta com 65 obras editadas dentro de um padrão de excelente qualidade. Esse pequeno adminículo não influi na tessitura da obra como também não influi o fato de o trabalho ter sido desenvolvido entre 30 professoras da rede pública de ensino, conforme consta na contracapa mas na página 21 o ensaio foi em torno de pesquisa em escola particular.

Voltando entretanto aos ensaios, que se leia o texto de Ana Paula Medeiros, em parceria com Helen Cristina Vieira Costa, sobre "O conto facilitador da aprendizagem e encantamento pela leitura dos alunos do 3º ano do ensino fundamental de uma escola particular de Fortaleza". Nesse artigo fica patenteado que o crescimento do encanto do aluno pela narrativa passa por três estágios sucessivos: ouvir, ler e escrever. Nele também fica claro que a alma infantil passa por uma hidratação, quando ingressa na subjetividade da narração. É então que o conto aparece como facilitador da aquisição de linguagens. Não se pode esquecer então que a aquisição de linguagens autóctones é uma forma de construção da cidadania.

Nesse mesmo ritmo, chega-se nesse livro ao artesanato de construção de uma colcha de retalhos ou de fragmentos de memórias sendo colados graças à habilidade de Cristina Façanha. Nesse tear de fios memoriais, o fantástico abre as portas da percepção e o mundo da subjetividade desponta, povoando as mentes infantis. As crianças, como adultos em miniatura, possuem um horizonte de expectativas tão vasto que Erinelda da Costa Paixão foi se abeberar na Estética da Recepção para poder dar conta do potencial receptor infantil. Para tanto, as teorias de Hans Robert Jauss, costuradas com as de Iser e Stierle, vieram lá da Universidade de Constança para marcar presença no seu raciocínio.

Além das já citadas fiandeiras de signos, ainda contamos, nesse "adjunto" de costureiras, com a narradora Elzilene Moreira e as ensaístas Olívia Coelho e Silvana Mendes. No momento epistolar do livro despontam também Camila Barbosa, Jéssyca Marques, Carmélia Pereira, Mônica Rodrigues e Emanuela Sampaio. Entretanto a oficina de criação se opera no compartimento dos contos em que, além de algumas das já citadas autoras, aparecem: Deusimar Timbó, Sara Façanha, Sérgio Medeiros, Ronise de Negreiros e Sílvia Pessoa. Portanto, esse grupo de costuradores de narrativas, sob o tirocínio de Ana Paula Medeiros, termina por confeccionar uma profícua coletânea de textos que começam pela racionalidade dos ensaios, passam pelo exercício epistolar e terminam alçando a subjetividade criativa da contística. Além de apresentar o viés criativo dos textos, essa coletânea possui também seu componente didático, ao apresentar uma fórmula de como confeccionar um livro que retém o leitor nos encantos de suas criações.


FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 24/04/2018.


 

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